Páginas

1 de janeiro de 2012

FOGUETÓRIO


Nei Duclós

Explodi fogos em teu céu. Mas estavas distraída. Por isso me recolhi cedo, com sabor de pólvora na boca

Nos vimos depois de muitos anos. Tudo tinha mudado, menos aquela chispa cor de laranja que incendeia o campo e que saltou de novo na nossa frente

No lugar do nosso primeiro encontro a chuva tinha feito algum estrago. Coisas espalhadas pela grama, poças, insetos avulsos. E um cheiro forte de desperdício

É segredo o que se passa comigo. Não tente descobrir com tua lupa entre os cílios. Nem adianta roçar meu braço com doçura, sozinha

Estoquei poesia para próximo inverno. E me isolei no sótão de comunhão para tocar teus seios narcisos

Muito tarde para uma chance contigo. Melhor voltar com tua mala de abrigos. Eu fico, de coração partido. Quebrei o sonho com meus braços inúteis

Bateste em minha porta depois da enxurrada. Os pássaros estavam assustados com os raios. Mas parecias tranquila, olhos de esmeralda

Fizemos a cama com edredons surrados. Havia um cheiro de palha em nossa vontade. Quando nos derrubamos, o tempo estalou, folgado

Estivemos perto, mas desistimos. Cada um para um lado. Fomos atraídos por nossos sossegos. Decidimos estender até o in finito nossa incapacidade de sonhar

Você não deveria distribuir amargura, disse a belíssima. É porque não estás comigo, criatura, respondi

Jogar rojão de alta potência em quintal do vizinho é uma espécie de tara bucólica adquirida em pelos sujos de esquilos selvagens

A dívida é impagável. Em compensação, não pode ser cobrada

Você malha pesado, sua muito e tem aquela sensação de que está mais magro. Não resiste e consulta a balança e ela cai na gargalhada

Sincera como uma balança. Ilusória como uma dieta

Ficar na dúvida se é bom dia ou boa tarde em função de ter ou não almoçado: deveria haver alguma punição em serviços comunitários para isso

Matérias sobre retardatários fazendo compras em cima da data deveriam ser consideradas crime hediondo

Entrevista com casal arrancando pseudo-confidências ao vivo diante das câmaras deveria dar uns dez anos por aí

Falsidades em voz alta nos encontros coletivos de fim de ano são provocadas por uma bactéria que se aloja embaixo da língua

Invasiva como proteína. Frescos como sais minerais. Traiçoeiras como vitaminas.

Celebração dos famosos é quando a inutilidade levanta os dedinhos


RETORNO – Imagem desta edição: Jeanne Moreau em Jules et Jim

Nenhum comentário:

Postar um comentário