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21 de dezembro de 2011

UMA ÚNICA GOTA


Nei Duclós

Não vejo ninguém em oito bilhões no planeta. Só teu rosto encoberto pela ausência. Estive no mar em busca de uma única gota

Agora estou perdido. Migrei para as mãos de uma ave de arribação, a que voa do sonho para o infinito. Como poderei ir junto dispondo de asas tão precárias?

Houve um estalar de ventos no meio da calmaria. E me vi em plena borrasca do sentimento. Por que me surpreendes, peregrina?

Perdi mais esta chance, meu tesouro. Talvez em outro tempo, quando houver abrigo para o sentimento, pequeno animal ferido

Não tem importância, não se ligue. Passaremos imunes. Te cobriste de flor sem que eu pudesse providenciar um frasco para teu perfume

Cada dia mais perto, como a espiral de esperança que se fecha sobre teu sopro. Cada dia mais longe a solidão. Cada dia mais cheia a agenda do coração

Depois que ela se foi, um silêncio pesado dominou o deserto. Um pé de vento levantou uma espiral de areia. Era minha alma, aos fragmentos

Reconheço teu silêncio como a chance que temos.A palavra é hóspede nesse território e está sob suspeita.Só teu olhar ilumina,amorosa,terna

De vez em quando você se debate e cria um revoar de pombos na tua concentração de canteiros. É quando voam pétalas do teu perfume denso

Cheiro de longe o que aprontas no teu canto. Não tento adivinhar, porque não tenho acesso a segredos. Mas sei que sou eu teu vibrar de sinos

Agora reencontras teus hábitos, a vida sem mim, a que te dá conforto. Mas chega a hora em que te atiras no corredor, descomposta

Temos uma praça, exposta para o tempo. Lá és a estátua de gesso. Jogo tinta em teu cabelo e ele pega fogo. É quando me perguntas o que está havendo

É só o que tenho, esse rosto e meia dúzia de palavras. Acervo que compõe uma mensagem cifrada. “Amanhã te beijo”, parece que diz a charada

O que mata não é tua mensagem, mas o que nela fica encoberto. Essa camada de tormento, doce cristalizado, açúcar com fermento

Eu apenas repasso o que pintou na tarde. Um sorvete a dois, uma confidência, uma fuga para o mato. E tua veia saltada à beira de um colapso

Você beijou o menino que mora dentro do homem. Acariciou a infância onde mora o perigo. És mais linda que uma rosa demente de tão vermelha


RETORNO – Imagem desta edição: Audrey Hepburn

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