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29 de dezembro de 2011
UMA HISTÓRIA VERDADEIRA DE PESCADOR
Nei Duclós
O lançamento oficial do livro “Chico Bastos – O pescador”, de Willy Cesar, publicado pela editora UniverCidade, do Rio de Janeiro, foi no dia 20/12/11, em Rio Grande. Recebi um exemplar por especial gentileza de Cabeto Bastos, sobrinho do protagonista, Francisco Martins Bastos ( 1907-1986), e o responsável por esse resgate precioso da nossa memória. O livro enfeixa uma rica variedade de vetores da história brasileira e não se limita às lides empresariais ou à linhagem familiar ilustre. Trata-se do perfil de uma saga que está entranhada organicamente no desenvolvimento da nação.
Foi feliz a seleção do enfoque da abordagem deste épico, que buscou a essência do personagem na pesca, que define a simplicidade e o desprendimento do pioneiro, que combinou sucesso em atividades rurais com uma participação decisiva na implantação da indústria do petróleo no Brasil. Faz justiça à suas origens, que vieram de longe, totalmente identificadas com a ousadia dos migrantes, desbravadores do território da fronteira. Um lugar que de ermo improdutivo tornou-se um exemplo de criadouro de gado – e mais tarde, de semeadura e colheita de grãos - da melhor qualidade, graças à competência que as gerações sucessivas de grandes empreendedores souberam implantar.
Há muito o que dizer do livro, mas o destaque é o enriquecimento do acervo de História que mais me interessa. Pois foi nas memórias e nas biografias de protagonistas importantes nem sempre lembrados em sua totalidade que consegui entender um pouco sobre o Brasil. Lembro sempre o brasilianista Stanley Hilton que veio fazer a biografia – brilhante – de Oswaldo Aranha e perguntou, na época, quantas já existiam. Nenhuma, lhe disseram, causando espanto no scholar.
Jornalistas como Willy Cesar fazem um trabalho que em principio caberia aos historiadores, mas estes estão mais preocupados com as atividades teóricas e conceituais do que com a marca deixada pelos habitantes do país sempre em construção. Nesta obra, Willy mostra como foi difícil o começo da Ipiranga e como ela esteve ligada à construção do Brasil soberano na era Vargas, mesmo que com ela não se identifique em aspectos fundamentais como foi o caso do monopólio instituído no governo de Getúlio eleito pelo voto direto nos anos 50 e a encampação das refinarias decretada por Jango, um dos estopins do abril de 1964.
O autor mostra como o próprio Vargas escutou Chico Bastos ao encaminhar o projeto da Petrobrás, em que havia convivência entre a estatal e a iniciativa privada, detalhe que foi atropelada pela radicalização do debate político da época, com o hilário paradoxo dos udenistas defenderem o monopólio só para contrariar o presidente, inimigo mortal.
Quando perguntaram a Chico Bastos o que faria se a Ipiranga fosse encampada, ele respondia: Vou pescar! E assim surge aos olhos do leitor toda a riqueza humana de uma figura que decifra o próprio tempo por meio de suas atividades que geraram inúmeros empreendimentos e por isso seu nome se tornou uma lenda.
Destaco a importância desta seleta de documentos fornecidos por algumas fontes, especialmente a do sobrinho do protagonista. O Arquivo Camb, de Cabeto Bastos é uma das colunas mestras da coletânea de depoimentos e registros do empreendedor que cruzou o século 20 com um leque importante de realizações.
Descobri na prática o quanto pode ser gratificante o mergulho num acervo rico, quando consultei os registros do Deops paulista nos anos 90, num trabalho pela USP. Consegui boas revelações que estavam estocadas em inúmeras pastas. Não é o caso aqui deste lançamento, já que se trata de outro tipo de acervo. Francisco Martins Bastos é uma figura conhecida e respeitada, famosa por suas atividades à frente do grupo Ipiranga que, sem ele, como diz a esposa sra. Maria Ondina, “teria morrido na casca”. Mas o foco é idêntico: não se pode deixar tesouros encerrados. Precisam ser disseminados e o melhor meio para isso ainda é o livro.
É difícil conseguir o equilíbrio entre o perfil do homenageado, sua trajetória profissional e pessoal , o tempo em que viveu e a cultura corporativa a qual esteve ligada por quase toda a vida. É complicado conseguir a costura de uma obra chamando atenção para a grandeza do personagem sem cair nos deslizes da publicidade pura e simples, do panegírico. O livro de Willy Cesar não deixa de lado nenhum assunto espinhoso, apesar de todas as páginas estarem impregnadas de um justo orgulho pelo grupo empresarial brasileiro que se destacou no ramo do petróleo e se diversificou por vários nichos.
Lá estão as dificuldades familiares e empresariais, as dúvidas e os enfartes, as perdas e as quedas, as ameaças e as crises, as comemorações e os funerais, os meandros políticos, os embates da concorrência. Tudo está devidamente enfocado, para livrar do trabalho esse tom monocórdio que costuma contaminar a narrativa. Willy Cesar optou pelo registro puro e simples, com um toque elegante de argumentos quando necessário, ao abordar problemas complicados. Sem querer justificar sem base, o que daria um clima de aplauso permanente a um texto que faz de cada leitor um atento crítico. Pois se sabe que o petróleo tem a ver com poluição, que a briga por essa riqueza industrial cruzou paixões políticas sérias. Não há, portanto, o interesse em tapar o sol com a peneira.
A solução do autor (foto acima) foi muito simples: reportou o que devia e manteve o texto ao nível de grandeza do personagem, enfocando os benefícios da sua obra. O despojamento de uma pessoa importante nos momentos mais cruciais do empreendimento, nos detalhes de sua vida agitada (era conhecido na juventude como Chico Barulho) faz o contraponto ideal para que a leitura corra sem problemas. Como o livro tem 365 páginas, às vezes o relatório do grupo pesa um pouco para quem quer saber mais da pessoa do que dos desdobramentos da Ipiranga.
Mas o livro sai ganhando ao conseguir que isso não seja determinante. O que vale é aprendermos sobre um homem e sua vida plena, orgulho dos conterrâneos e que é uma referência do brasileiro que ajudou a inventar uma nação, o Brasil soberano. Um país formatado para a posteridade. É uma obrigação, para nós, mantê-lo com todas as suas conquistas.
RETORNO - Esta resenha reúne dois artigos que publiquei no jornal Momento de Uruguaiana.
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