Páginas

7 de dezembro de 2011

MANUSCRITO


Nei Duclós

Lembrei do nosso amor agora distante. No fundo da barca, dorme o coração em segredo. A tempestade varre as águas. Aguardo o manuscrito, teu remo

Perdi a noção do tempo. Quantos anos se passaram desde o último romance? Na fila do ônibus, giro em torno do que sonhei, amor da solidão

Ninguém tem culpa, a não ser a teimosia. Ficamos petrificados em sermos distantes. Agora quem derruba esse granito, que não passa de agonia?

Estás pronta para um novo amor, flor do desencontro. Ficarei sozinho, como os planetas que não giram, imobilizados na espiral eterna de granizo

A porta não rangia assim. Deve ser um fantasma. Um sinal do além, onde vivo, criança

Já vou, disse para a eternidade. Falta ainda revirar uns canteiros, descobrir tesouros e enviar um pombo correio para o amor que não chega

Quem se dedica à sua arte e consegue transformá-la num exemplo, que resiste ao tempo, merece ser recebido de pé pelas criaturas do futuro

Mergulhei tanto na poesia que esqueci Brasilia. Lembro que vi o palácio no meio de um mar de grama, como se fosse a Casa Grande vista da senzala

Pensei que o domínio era das musas. Mas era meu, sob o seu jugo

O Sr. não está cumprindo sua cota! disse o Poeta Chefe aos berros. Preciso me apaixonar, disse o subalterno em voz baixa

Quero que fiques ao meu lado, bem descansada. Eu puxo um solo de silêncio de cima das nuvens e trago para o teu conforto

Não foi bom teu dia. Puxo um travesseiro e te dou colo. Uma brisa inventa de nascer num canto e balançar teu cabelo. É você, sentimento?

Muitas vezes implorei que me recebesse de volta. Até que deixei-a ir. Queria meu coração, mas de joelhos

Não detecto teus desígnios, maré sem lógica. Durmo no teu barco e quando acordo estou só no alto mar sob o sol a pino

Não descobri o motivo. Talvez seja apenas fantasia minha. Mas por que passo lotado por tanto lugar e só naquele jardim descubro o teu olhar, pele de sonho?

Fechei a cortina e fui para a rua deserta. Lá estavam os bêbados e os vagalumes. Acendi os lampiões e olhei para ver se a Via Lactea estava me assistindo

És vestíbulo de escassas cortinas onde o meu olhar trespassa e revela faixas de luz onde vibra a poeira que é a tua beleza pulverizada pelo impacto

Hoje ela me fez duas perguntas. Escrevi um livro em resposta. Ganhei de brinde, de novo, o silêncio . Aguardo o próximo século de luzes, lindíssima

Palavra é minha atenção diante da ilusão do teu silêncio. Porque dizes mais do que o poema, és o verbo em chamas



RETORNO - Imagem desta edição: Romy Schneider.

Nenhum comentário:

Postar um comentário