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11 de outubro de 2011
O SÁBIO, O DEDO E AS ESTRELAS
Nei Duclós
Um dos lugares comuns da auto ajuda é chamar de idiota quem presta atenção no dedo do sábio quando este aponta as estrelas. O objetivo é provar que o alvo é o protagonista e não a flecha, que o conhecimento vale e não o método para se chegar a ele. Pois é exatamente o contrário. Não existe conteúdo (as estrelas) se não houver o dedo (a ferramenta) para apontá-las. Noto estudantes de literatura se preocupando com temas (a paz, o amor, a amizade, as flores) quando deixam de lado o fundamental, que é a palavra.
Uma formação universitária básica e séria, coluna mestra de qualquer nação que preste, ensina metodologia em vez de colecionar conteúdos. Uma escola deve ensinar a aprender e não a fritar hambúrguer para a ”atender o mercado”. Em São Paulo, soube que diminuíram a carga horária de português e matemática para colocar outras matérias. Sugeri que ensinassem Celebridades ou Domingão para que os estudantes se sintonizassem com a chamada “realidade”. Ou você aprende a ler, escrever e fazer contas ou será uma folha ao vento dos fatos e do conhecimento.
Isso diminui e aprofunda drasticamente o espectro do ensino. Se você foca o dedo (tabuada, gramática, leitura, escrita) as estrelas virão a reboque. Não precisa inventar 500 disciplinas para ficar girando em torno do Mesmo. Assim é na literatura. No lugar de o romancista estreante atacar o universo, sua geração ou a memória, ele poderá, fundado no que aprendeu, quebrar a estrutura narrativa com uma obra que saia do leito normal e palmilhe outros territórios (mesmo que se refira a obras anteriores que o inspiraram) . Quando Glauber Rocha, aos 22 anos, vendeu o Volks que ganhara da família para comprar uma câmara de filmar, ele procurou uma linguagem própria, mais do que um tratado sobre os assuntos.
Glauber era do ramo e sabia que toda ruptura precisa se reportar a uma tradição. No caso dele, artista de uma arte ainda emergente, o cinema, seus paradigmas eram de transgressão visual proporcionada pelos grandes mestres. Nele vemos Visconti (Barravento) Fellini e , Bergman (Deus e o Diabo) entre outros cruzamentos. Não se cria do nada. É como música: você compõe a melodia original usando as mesmas notas de sempre. Isso enterra a idéia de que a criação é invencionice, ou que o passado deve ser totalmente enterrado e que vivemos num eterno presente.
O tempo é uma mercadoria como as outras, nos ensina Guy Debord no seu clássico sobre a sociedade do espetáculo. Ou o desvinculamos do balcão ou seremos vítimas precoces da sua manipulação. Quando a cultura foi tirada dos redutos da educação em 1985, a criação caiu no colo do mercado do entretenimento. É o que vemos hoje, quando megashows milionários são cacifados por dinheiro público. E não adianta atacar os maganos e tubarões da política. Eles tem todos na mão para acusar os artistas de coniventes, mesmo que não sejam nada disso.
Ou se queima os navios e parte-se para uma perspectiva artística de verdade, fundada na ética humana, ou seremos todos culpados por existir escolas aos pedaços e macdonaldização educacional.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: o monolito de 2001, Uma Odisséia no Espaço.
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