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7 de agosto de 2011
O STAND UP É UM PERIGO
Nei Duclós
Stand up é a arte de levantar a platéia com baixarias que você só teria coragem de dizer para você mesmo ou para os amigos mais próximos – talvez até na presença de desconhecidos em alguma festinha, para checar sua popularidade. Grandes lendas se fizeram à sombra do stand up, como Lenny Bruce, radical comediante americano interpretado por Dustin Hoffman num filme de 1974 e que morreu ao optar pela radicalização de suas falas, o que o levou ao isolamento e às drogas (ou talvez era o que realmente procurava, como forma terminal de produção artística). Hoje há George Carlin, hilário e devastador nas suas críticas aos ambientalmente corretos. Estrelas como Seinfeld fizeram a fama nos clubs e bares antes de estourar na TV com sua série (que foi mais obra do parceiro Larry David, igualmente brilhante).
No Brasil o stand up chegou com tudo porque é um espetáculo barato de se fazer e porque tinha chegado a hora (tardia, como sempre). Trata-se de um monólogo, uma sucessão de tuits cortantes que impõem um ritmo de falas para estocar o público. Normalmente dá certo, pois as pessoas estão ali para rir e também se vingar, pois esse tipo de comediante diz o que todo mundo está pensando, ou pelo menos, deveria dizer. Como o humor oficial, o que passa na TV ainda está nos anos 30, pois faz piada com homem se vestindo de mulher, o stand up pegou bem na nova geração de comediantes, livres dessa canga maldita do século 20 que assombra uma mídia capitaneada por matusaléns. Só o quadro de Zorra Total de dois travestis que são assediados no metrô já diz tudo sobre o humor que o stand up deveria enterrar.
Deveria, mas as novas estrelas acabam caindo em desgraça rompendo a corda. Porque é uma tentação ter casa cheia para ouvir suas barbaridades. Então imaginamos que tudo pode ser dito. Foi o que aconteceu com o apresentador do Globo de Ouro, o ator Ricky Gervais, que bateu em Tom Cruise e John Travolta declarando que cientologistas gays faziam papel de heterossexuais enquanto heteros como as atrizes Juliane Moore e Annete Benning faziam papel de gays. Hoje vivemos sob liberdade vigiada e Rafinha Bastos entrou pelo cano quando cedeu à tentação de dizer que mulher feia deveria agradecer por ser estuprada. Uma barbaridade inominável dessas dá vergonha de dizer em casa, que dirá para o universo.
A mais recente vítima do stand up foi Lars Von Trier, que ao ver a sala de imprensa lotada em Cannes deitou a querer fazer graça e entrou pelo cano. Talvez porque tenha dito realmente o que sente e pensa mas achou que poderia disfarçar com estocadas de stand up. Se deu mal. Para esculachar com uma cineasta, que é judia, disse agradecer ao saber que não era judeu depois de conhecer a referida colega. Para completar (talvez porque as gargalhadas não explodiram, então ele tentou intensificar para ver dava certo) acabou dizendo que até se achava nazi e entendia Hitler (uma piada horrível que ouvimos a toda hora para encher o saco geral).
Como não há justificativa para semelhante atrocidade, Trier, ex-festejado diretor premiadíssimo por seus filmes radicais de vanguarda, foi banido do festival de Cannes. Ele depois tentou se desculpar, mas era tarde e não foi feliz nos seus argumentos. O stand up exige que você seja preciso. É uma questão de timing, bem mais do que você diz realmente. Você pode dizer as maiores baixarias, mas se respeitar certo ritmo e souber atingir aqueles pontos fracos do clima coletivo receptor, pode passar lotado. Fica tudo na risada. Mas é bom dosar e impedir que coisas profundamente sinceras (ou aparentemente engraçadas, mas brutais) não ajam contra sua verve, obrigando-o a se retratar ou desistir da carreira.
Obviamente que tentar fazer graça com judeu usando o nazismo dá erro, como prova o caso de Danilo Gentili que disse entender os habitantes de Higienópolis que eram contra o metrô, pois o barulho dos vagões lembrava Auschwitz. Há também o perigo de aparelhar o show, como acontece muitas vezes com Marcelo Adnet, que ataca o tucanato de Arnaldo Jabor ou das chamadas elites. Ao mesmo tempo, é prejudicial ao comediante achar que sendo a favor do politicamente correto poderá ser aceito, não ter problemas e continuar provocando risadas. Pois pode fazer sucesso num primeiro instante (e a imitação do ricaço que odeia aeroporto lotado do Adnet é realmente hilário), mas com o tempo acaba cansando, pois o público desconfia.
É um equilíbrio difícil de conseguir. Mas se fosse fácil qualquer chato contador de anedota seria o máximo. O talento para o stand up é raro. Além da vocação, é preciso ser um estrategista das falas, para não acabar na vala comum da desgraça. Há uma tendência em achar que o estrago promovido pelo stand up (sua facilidade é ao mesmo tempo uma ameaça) não mancha a “influência “ (palavra da moda) dos comediantes. No mínimo identifica valores da nova geração com o velho escracho, o que é ruim. A baixaria antiga estava sintonizada com o clima da época. Hoje os tempos são mais bicudos,pois a divisão entre moral e sua transgressão entrou numa fase mais aguda de conflito.
A permissividade, aparentemente sem freios, bate no paredão da censura, que se manifesta não só oficialmente, mas de modo natural, quando o público mostra-se avesso às apelações mais escandalosas. Van Trier causou espanto até mesmo para quem estava ao seu lado na coletiva. E dividiu a platéia entre o riso e o escândalo. O escândalo venceu.
RETORNO - Imagens desta edição,pela ordem: Dustin Hoffmann no papel de Lenny Bruce;Ricky Gervais; Lars von Trier; Danilo Gentili e Rafinha Bastos.
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