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20 de julho de 2011
O CARÁTER DAS ROUPAS
Nei Duclós
Não existe peça do vestuário masculino mais bandida do que as meias. Talvez seja por vingança de estarem sempre nos pés. Mas elas jamais emparceiram, por exemplo, mesmo que preventivamente a gente decida comprar apenas de uma cor. Há nuances entre as texturas e você jamais consegue juntar dois exemplares idênticos. Mas em todas as roupas existe esse perfil psicológico, não porque se humanizem ao tomar a forma humana, mas porque são assim mesmo, na essência, por natureza, se é que se pode dizer.
Os ternos, está na cara, desviam dinheiro público, os pulôveres jamais se ajustam ao corpo e escasseiam na barriga e sobram nas mangas, para gerar desconforto em quem usa. Há todo tipo de meliante. As campeiras ganham imediatamente aquele cheiro de mofo de inverno e não há o que tire. Ponchos pesam toneladas com qualquer chuva miúda, chapéus desabam miseravelmente no terceiro mês de friaca e inundam o cocuruto no verão. E, com a nova dominação chinesa em todos os nichos industriais, vemos como tudo rasga fácil, estraga, encolhe, perde a cor.
Vinco é uma coisa que não se vê mais. Faz parte do Mundo Perdido, quando as roupas tinham caráter . Um vinco fazia média com as bainhas italianas e se exibiam para golas engomadas em riste. Os excessos deslumbravam nos bailes, como as abotoaduras que juntavam alvas pontas de mangas de camisas impecáveis. Os sapatos, hoje marginalizados pelos tênis saradões e por isso em eterna pose de ressentimento, já que se esforçam para clonar seus adversários, tinham personalidade e faziam a glória de todas as idades barbadas.
Um sapato de verniz bem engraxado era o espelho onde se miravam os rostos de bigodinho fino. Cordões de luxo faziam o calçado se adaptar magnificamente no pé, pois era preciso segurança para rodopiar a valsa ou caprichar no tango, nas altas horas. Havia rigor. Não era como hoje com essas calças meia canela, de pular sanga, que mais parece um xiripá mal ajambarado e que todos usam, inclusive os da terceira idade, o que dá um aspecto bizarro em criaturas que deveriam atingir o nível da sobriedade.
Os tecidos não existem mais. Linho, cambraia, lã, casimira e até mesmo o novidadeiro nycron sumiram para dar lugar a essa mixórdia plástica de fios que atraem eletricidade suficiente para acender dez lâmpadas. O que chamam de algodão é uma imitação barata daquele tecido amigável que fazia o conforto de nossos corpos tão ansiosos. Tudo é chinês, ou seja, não vale nada. É o que me disse o dono de um mercadinho 1,99. Mas esse brinquedo está estragado! disse. Claro, respondeu ele, é chinês.
Triste país que deixou de se pautar por indústrias estrangeiras de grife, como a alemã e a italiana, para se deixar levar para a quinquilharia generalizada. E não adianta vibrar a palavra da moda, “preconceito”. Depois que os imbatíveis e indestrutíveis vulcabrás migraram para a China, tudo pode acontecer. Desse jeito, essas marginais, as meias de poliéster, ou então as de algodão grosso que apertam nos tornozelos, ou mesmo as camisetas que te estrangulam por falta de bom senso no design, tomarão o poder. E ficaremos nus, como nunca fomos.
RETORNO - 1.Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: Elvis Presley vestido a caráter. Tirei daqui.
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