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5 de abril de 2011

SONHEI COM O MUNDO CORPORATIVO


O mundo corporativo é uma vida pessoal que não te pertence. É pessoal porque você está todo lá, com seu corpo e bagagem, e diariamente cruza o trânsito para chegar às salas e aos corredores portando cabeça, bolso e membros. E não te pertence em nenhuma hipótese, qualquer que seja a posição ocupada. A maioria esmagadora das pessoas não possui cargos, são massa de manobra, permanecem em lugares subalternos. Quem tem posição de mando, pequeno ou grande, precisa se reportar sempre a algo maior, a alguém que muitas vezes não é visto diretamente, pois o verdadeiro poder não deixa que o enxerguem, como mostrou Stanley Kubrick no filme De Olhos Bem Fechados.

Vida pessoal de verdade é quando você tem o comando. Estar à mercê dos sistemas que o cercam, impõem, manipulam e enfim excluem (porque essa é a natureza do poder) é não exercer uma vida plena. Isso significa que existem multidões na mão de meia dúzia, que fazem gato e sapato das pessoas e as colocam no miolo de mil furacões. Passamos a vida nessa arenga sem fim. Com o tempo, vai piorando a não ser que você seja deslocado para um limbo onde ninguém tem interesse em tocá-lo, ou consegue galgar postos não apenas por seus méritos, mas por sua capacidade de derrubar os concorrentes.

Sonhei hoje com o mundo corporativo. Estava eu numa grande estrutura empresarial ou institucional, onde me sentia gratificando nas funções que exercia. No momento (foi essa a sensação, o que o sonho me repassou) em que eu estava pronto para dar um salto no trabalho, graças a paciente semeadura, em que enfim tinha o espaço à altura do esforço, vi sinais na minha mesa, quando cheguei no emprego, de que alguém estava no meu lugar. Poderia ser um casaco ou uma bolsa, não importa o gênero. O fato é que eu estava fora.

A cena seguinte foi a do chefão passando o braço por cima do meu ombro, me explicando porque eu tinha sido excluído e a pessoa então iria usufruir, agora com pompa (pois você é avesso a celebrações fúteis, e isso é fatal) do que eu tinha construído depois de anos de luta interna. Acordei com esse travo amargo tantas vezes experimentado, já que passei por vários lugares, onde tinha sido tenso o tempo todo, feliz às vezes, tendo conseguido fazer o que eu queria quando todos estavam distraídos, e despejado quando se deram conta que poderiam se livrar de mim. O ataque vem de quem está mais próximo. Não procure motivos ou culpados em lugares remotos. É o que senta ao lado, na frente, o que está na fuça e a ficha custa a cair, pois você está envolvido demais para entender o que se passa.

Os inimigos contam com essa vantagem: a proximidade é uma espécie de cegueira. O sujeito que leva a vítima em casa no dia da despedida, esse é o responsável direto. O que a deixa a sós com o desemprego e parte, célere, no seu carro vermelho. Lá vai o fulano cheio de si, livre da presença da criatura abatida com um golpe certeiro, realizado como um fera depois do banquete. Você então se volta para sua vida pessoal, que agora te pertence inteirinha: contas a pagar, e mais contas. Hora de refazer os caminhos, procurar uma saída, ir para onde ninguém quer ir, cavar novo lugar, tornar-se invisível. Até que o Destino, que te ama, te coloca novamente no miolo do drama. Então todos se assombram com tua capacidade de sobrevivência e superação.

Pois és um duro e é bom que saibam: com um guerreiro não se brinca.


RETORNO - Imagem desta edição: o ritual do poder no filme De Olhos Bem Fechados, de Kubrick.

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