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29 de abril de 2011

HÁBITOS


Nei Duclós (*)

Hábito faz parte da nossa natureza. Incorporamos comportamentos sempre da mesma forma: no começo é estranho, mas aos poucos nos adaptamos e no fim nem sabemos como nos livrar daquilo que começou de maneira tão bizarra. Quem segue os passos de um bebê nota que tudo precisa ser aprendido. Desde a respiração no primeiro momento (quando, no tempo do barato, o tapa providencial desencadeava o mecanismo), até fazer as refeições. Sem falar na disciplina para os estudos, dormir e acordar cedo etc.

Ao crescer, diversificamos. Adotamos o hábito de ler, por exemplo,ou de fumar e beber. Uma página de qualquer autor sempre causava alguma estranheza até que não podíamos mais largar os volumes. A tosse da primeira tragada é o início de uma trajetória que não costuma acabar bem. O consumo da bebida, mostram as pesquisas, cresce no Brasil, principalmente entre os jovens. Não que o livro ou álcool possam ser comparados. Mas estamos falando de hábitos. Melhor escolher os melhores para não perder o rumo.

Existe ainda o orgulho pelos nossos hábitos. Pensamos que eles nos diferenciam, mas somos idênticos em tudo. Precisamos nos decidir a prestar atenção em aula, por exemplo, não nos dispersar, focar no que realmente importa, selecionar. O ambiente interfere em tudo, principalmente as amizades e os sentimentos. As relações familiares conduzem as pessoas a hábitos diversos, mas estes são definidos por decisão pessoal. Somos responsáveis pelo que acumulamos nos gestos diários.

O que pesa são as coisas que aprendemos na primeira infância. Tomar café de manhã (muitos de manhã à noite), almoçar ao meio dia, ficar enrolando o cabelo na hora de divagar, bater nas quinas das mesas...opa, aí vira mania. Imagino que os distúrbios desse processo de formatar nossos hábitos são essas coisas esdrúxulas que fazemos principalmente quando crianças, como andar na calçada pulando as lajotas de duas em duas. Ou raspar o tênis no pé do muro. Existem as sacanagens, como se acostumar a jogar carrapicho no cabelo das gurias, como acontecia até os anos 60 (depois alguns cascudos mais sérios resolveram a parada; ou talvez tenha sido o fim dos terrenos baldios) .

No ano letivo, todos os dias eu fazia a mesma coisa. Ia para aula de manhã, almoçava e descansava até as duas da tarde, escutando rádio. Pegava nos temas até as quatro, hora do café. Voltava às quatro e meia e ficava até as cinco de olho no teto ou continuando minha sessão radiofônica. Aí estudava até as seis. Dividia o numero de páginas de cada livro das 11 matérias pelo tempo que me restava para as provas finais, quando ainda existiam . Veio depois a baba de passar por média, o que os cdfs como eu conseguia já em setembro. Isso mudou meus hábitos para sempre e para pior.

Passar por média me transformou. Começava a vagabundear na primavera. Jogava ping pong aos berros enquanto muitos colegas solfejavam na labuta. Com tempo de sobra, intensifiquei um hábito adquirido desde os nove anos: escrever alguma coisa. Poesia, prosa, o relatório do grêmio da aula. Não teve então química, física ou matemática que me segurasse. Estava fisgado pelas letrinhas. Pobres leitores.


RETORNO - 1. Imagem desta edição: Yvoire, aldeia medieval francesa, foto de Daniel Duclós. 2. (*) Crônica publicada originalmente no jornal Momento de Uruguaiana.

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