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2 de março de 2011
ELVIS CONTRA OS INIMIGOS DO CORPO
Neste texto sobre o Rei, uma espécie de “militância” pró-rock, talvez fruto da pressão que o gênero sofria na época, apesar de hoje acharem que a imagem dos “loucos anos 70” obedece aos ditames do anacronismo (ver o passado com os olhos do presente). Atualmente há muitos mais fãs do rock, em todos os sentidos, inclusive proporcionalmente, do que na época, em que éramos minoria. Isso me levava a pesar a mão defendendo a música que era então uma bandeira contra inúmeras barreiras. O tom incisivo provocava muitas brincadeiras na redação, mas eu me vingava. Fazia o perfil de cada um dos engraçadinhos, ligando-os com os temas de suas predileções e colocando no mural. Isso atraía grande aglomeração de desocupados de topos os tipos, principalmente dos eternos fugitivos da barra dos fechamentos. Não haverá tempos melhores, pelo menos para mim.
Folha de S. Paulo, Ilustrada, seção Toca Disco 14.09.1977
NEI DUCLÓS
A mansão de Graceland, em Memphis, é o túmulo de Elvis Presley: lá ele foi encontrado morto, para lá seu corpo deverá ser removido depois de uma tentativa de roubo no cemitério da cidade e numa das peças, no seu estúdio particular, foi gravado seu último LP, Moody Blue, lançado agora no Brasil pela ROA Victor. Por coincidência, o clima do LP é de despedida: trata-se de um Elvis nostálgico. triste e romântico, que os poucos rocks não conseguem disfarçar. Mas é o Elvis de sempre, que conservou o swing, apesar de ter entregado a cabeça e o corpo para a fúria comercial dos vampiros musicais.
Algumas faixas, entretanto, foram gravadas nas suas últimas viagens, como a bonita "Unchained Melody", que abre o I.P e as duas músicas seguintes: "If you Love Me" e "Little Darlin", que tem um delicioso coro que canta em falsete, com um balanço dos velhos tempos, tâo explorados por Bob Darin e até Pat Boone. Segue-se "He'll have to go", outra balada e o rock "Let me be there".
O segundo lado traz os melhores momentos do LP: "Way Down" e o excelente "Moody Blue". onde Elvis quase chega a se alegrar. Nem perto de "Kiss me quick", naturalmente, onde ele era capaz de mexer mais facilmente com as pessoas e deixá- las históricas. Mas também longe de ser apenas uma interpretação menor da maior estrela do rock, pois "Moody Blue" contém o que há de melhor em Elvis: sua voz ainda sabe sacudir, emocionar, envolver.
Logo em seguida, surgem "She Thisks I Still Care" e o fatal "It's Easy for You", um final infeliz, onde Elvis coloca lodo o seu desencanto, sua tristeza romântica e fecha as cortinas do show que por mais de 20 anos sustentou sozinho, amedrontado do mundo e das coisas que desencadeou. Mas Elvis sempre foi romântico, apesar de ter sacudido a música do todo o mundo. Nele já se manifestava. desde o começo, a grande qualidade do rock: o de ser aberto para tudo.
O rock não fez como os outros gêneros, que, mesmo se desenvolvendo, se fecharam nas suas propostas básicas. O rock avança sempre, sofrendo todos os preconceitos e não alimentando nenhum. O Jazz. o blue, a ópera e outros gêneros foram arrastados por ele. O rock se deixou devorar e por isso se impôs e foi Elvis Presley que começou, inconscientemente, esse processo que está longe dc terminar. Nesta última aparição, Elvis nos deixa a principal herança das suas invenções - a fúria de "Moody Blue" e a tristeza do "It's easy for you", duas faces da mesma verdade. E o ritmo reinventando a emoção de um mundo duro e sangrento e a emoção se entregando às leis desse mesmo mundo, ainda inimigo do corpo, ainda inimigo do Elvis.
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