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2 de janeiro de 2011
O PODER DEVORADOR
O Brasil atual é uma tragédia da consciência. Não apenas porque novos e significativos segmentos se uniram ao velho esquema de pensar a soldo, mas porque muita gente se dispôs a entregar de graça, para notórios bandidos da política, tudo o que sente e sabe. Como aconteceu essa desgraça? Foi a pressa. Numa só geração procurou-se consolidar a ilusão de que a revolução enfim chegou e o país mudou radicalmente, quando o fato é que tudo continua como estava, só que a realidade foi maquiada pelo discurso antes marginalizado, usado como cosmético para a manutenção da tunga da nação.
Se o poder precisa ser compartilhado com raposões coronelistas da velha guarda, se para haver governabilidade é preciso subornar congressistas e repartir ministérios, se a chance de permanecer no poder é deixar rolar a ditadura financeira da especulação e da entrega da soberania, então é preciso usar de inúmeros artifícios para que haja consenso sobre a inevitabilidade da mudança, como se a transformação fosse obrigada a obedecer ao voluntarismo de consciências ágrafas ou letradas, todas envolvidas com o acesso ao butim, o dinheiro público generosamente confiscado de uma população exangue, desproteinizada, atrasada e mística.
O grande feito dos atuais donos do poder foi ter dividido as águas da consciência. Bipolarizou a política, como se tucanos e petistas não fossem farinhas do mesmo saco, cevados no continuísmo da ditadura implantada em 1964. Isso anula praticamente qualquer possibilidade de oposição verdadeira. Não adianta 32 milhões de eleitores jogarem o voto fora por não suportarem a presença tanto de uma como outra facção. Ou uma parte substancial dos 44 milhões que foram para o candidato tucano pertencerem igualmente à insurgência sem liderança. Isso tudo é anulado pelas “comprovações” compradas de que os 53 milhõe das candidata eleita representam a maioria, o que é mentira, e que tanto má vontade contra o governo não serve para nada pois mentem que a popularidade do poder chega a quase 100%, índice comum em ditaduras.
As instituições criadas para gerar diversidade de opinião e pressão popular estão na mão desse poder devorador. Só existirá greve se for contra poderes estaduais ou municipais que se elegeram criticando o governo federal. As medidas que estão sendo gestadas nos bastidores contra a liberdade de expressão não apenas na imprensa como em algo maior e mais amplo, na internet, está a cargo de missões especiais internas e externas.
Aqui dentro, procura-se minorar o fato hediondo de cercear a liberdade invocando exemplos de outros países que regulariam a mídia, esquecendo-se de propósito que a liberdade de expressão está garantida de fato pelas constituições, enquanto aqui se fazem leis paralelas para sufocar o direito garantido. Lá fora, já enviamos sugestões para cercear a internet a partir do episódio Wikileaks. Enquanto o poder devorador elogiava Julian Assange, propunha na ONU uma mordaça ("regulamentação") à rede mundial.
A dupla face do poder devorador faz com que entregue o país à sanha especulativa, sucateando a indústria nacional e endividando a nação para a próximas gerações, ao mesmo tempo em que faz pose de independência no cenário internacional, ao lado de fanfarrões do idealismo pseudosocialista e tiranetes fundamentalistas apedrejadores de mulheres. O resultado é um país sucateado em sua infra-estrutura e comprometido na sua economia (falsamente apresentada como vitoriosa; como pode ser vitoriosa se as dividas, publica e externa, continuam imperando?). A classe média se liquefez e agora recebe a promessa de que será sólida. Classes menos favorecidas foram subornadas pelo crédito falso e fácil e terão de pagar a conta sinistramente composta para vencer as eleições.
O que dá dó é ver pessoas que pretensamente deveriam exibir um mínimo de lucidez e independência se entregarem como gado a uma súcia que empalmou o poder depois de serem flagrados publicamente com a boca na botija. A presença de notórios cadáveres políticos na cerimônia de posse neste início do ano mostra a desfaçatez desse poder que se quer impune e acha que todo mundo é trouxa e vai cair como um patinho na sua conversa fiada. E que conta com adversários pífios, que se entregam mesmo quando não existe nenhum aceno em sua direção.
Precisamos de uma oposição de fato, não essa de bico curvado e costas quentes. Mas que esteja à altura da indignação nacional e a assuma como uma primeira pele. Fora e basta!
RETORNO - Imagem desta edição: A Batalha de Cascina, de Michelangelo.
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