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11 de janeiro de 2011

LITORAL


Nei Duclós

O mundo não cabe no litoral brasileiro, sabemos disso todo santo janeiro. É por isso que nos esforçamos em expulsar turistas. Providenciamos um mar que engole praias, umas praias sem saneamento básico, uns serviços bizarros como o do flanelinha alugando trecho de areia. Sem falar num queijo fedido assado na brasa que insistem em vender. Qual será a lógica de comer churro frio lambuzado de chocolate num calor de 40 graus? E por que o vendedor de cangas se estabelece entre você e a paisagem exatamente no momento em que mil quilômetros de congestionamento chegaram ao fim para inaugurar o veraneio?

Parece que não adianta. A cada ano chegam mais. Então intensificamos a oferta. Os crimes aumentam, junto com os preços de coisas básicas, da carne ao sorvete, mas isso não atinge as estatísticas de inflação. O cartão de crédito é como papel em branco, aceita tudo, até chegar a fatura. É estranho que a cobrança jamais apareça na publicidade. Nos anúncios, todos podem tudo, comprar um país e mudar de nacionalidade, mas ninguém é mostrado de cabeça baixa na fila dos inadimplentes.

A alta temporada é a realização de um velho sonho: desconectar-se do que nos sustenta para entrarmos numa espiral de gastos sem fim. Funciona assim. Em dezembro, endivida-se a população para que haja presentes. Em janeiro, a dívida migra dos produtos para os serviços, já que todos precisam de atendimento nas férias. O que fazer com a sobra do ano anterior? É o momento das liquidações, já que é preciso desovar o estoque para renová-lo – só assim as pessoas poderão encarar outra dívida.

Mas o serviço não dura, morre enquanto se consuma. Você só leva para casa um eventual sorriso de boas vindas. Ou o silêncio possível na madrugada quente que foi abençoada por uma chuva. É isso que vai trazer de volta esses seres bizarros e incompreensíveis, que moram em lugares sem a vizinhança poderosa do oceano. Como podem sobreviver longe das ondas? Como podem passar o inverno sem ver as baleias francas com seus filhotes ao alcance da nossa mão? Ou chegar abril e não se fartar de tainha? Ou chegar janeiro e respirar com alívio, não pelo turismo invasivo, mas pelo frio que dá uma trégua e a Terra, no seu esplendor, desabrocha diante de nossos olhos cansados.


RETORNO - 1. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 11 de janeiro de 2011, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Semeando, obra de Ricky Bols.

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