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22 de dezembro de 2010

ESCOLAS DE EXTERMÍNIO


A questão social no Brasil é um caso de polícia, disse uma vez o presidente da República Washington Luís no início do século 20, uma declaração execrada mas pouco compreendida. No clássico “D. João Sexto no Brasil” , de Oliveira Lima, fica claro que o Marquês de Pombal, que assumiu o poder em Portugal em 1774, colocou na mão da polícia do Brasil o problema social para poder esvaziar o poder dos governadores provinciais. Ele queria enfraquecer o esquema consagrado do Brasil colonial, precisava varrer daqui a força das pessoas encasteladas em cargos importantes. Maquiavelicamente, para dividir, jogou na mão da polícia a míséria, o loteamento clandestino, as epidemias. O que deveria ser tratado por políticas públicas virou caso de polícia. Essa é a origem.

Isso realmente se tornou uma política oficial no país. Não mudou nada. Vimos nesta terça-feira, dia 21/12/10, no programa Profissão: Repórter, dirigido por Caco Barcelos, na Globo, que “missão cumprida” , para o Bope, a polícia especial do Rio (chamada “de elite”) é quando o suspeito é morto, independente de julgamento. O corpo é retirado da favela sem perícia. Os comandos fazem uma social nas ruas, mas invadem casas, amedrontam grávidas e crianças e torturam adolescentes, como mostraram alguns depoimentos. O garoto explica a tortura em que os policiais enlaçam o pescoço do “suspeito” com calça jeans e começam a torcer até cortar a respiração. E uma gestante de oito meses estava aos prantos, apavorada, depois de uma invasão do Bope.

“Mataram meu filho, agora vou falar. Polícia é para prender, não para matar” disse uma mãe desesperada num dos vários funerais que acontecem desde a invasão do Complexo do Alemão (que agora, maquiado, tem até teleférico, inaugurado por governantes cegos, que puxam claques ao colocar um enfeite em cima do bairro apodrecido por faltas de políticas públicas adequadas). Chiando um chiado de chaleira (fruto da percepção equivocada do sotaque carioca), o relações públicas do Bope diz que tudo está sendo averiguado, deixando no ar a suspeita de que nada vai adiante nesse setor. O símbolo do Bope é parecido com o do velho Esquadrão da Morte. Só para constar. "Quantos você matou?" pergunta o repórter para o atirador. "Não contamos. Cada tiro é uma missão e em seguida damos por encerrada".

Não se trata aqui de defender bandido, mas de denunciar a prática que permite cometer crimes para combater o crime. Enquanto o rapaz que fazia serviços gerais numa gráfica é enterrado, dois “foragidos” traficantes são presos com roupa limpa, algemados e levados normalmente pela camionete. Podemos especular. Os traficantes que estão condenados, mas soltos, devem ser especialistas em libertação. O garoto que não tem nada a oferecer precisa pular para um buraco do teto e se escafeder. Ainda tenta denunciar a arbitrariedade, mas nas delegacias lhe dizem, indiferentes, que reclamação contra o Bope só no Méier ou algo assim. Ou seja, em vez de averiguar a brutalidade, tiram o corpo fora e dão cansaço no denunciante. Isso é ou não suspeito?

Mais suspeitos ainda são os governantes, que pagam apenas 500 reais para um policial militar enfrentar facínoras. Isso é implantar a corrupção. O pessoal da “elite” do Bope ganha dois paus. Ora vão se roçar numa tuna. Paguem decentemente a polícia em vez de jogar dinheiro público pelam janela.O presidente da República atual se despede do cargo que ocupou por oito anos torrando uma baba de mais de 10 milhões de dólares. Onze caminhões de mudança saem do Planalto, sendo um deles climatizado para os vinhos (enquanto vemos estadistas estrangeiros recusando presentes, pois a justiça no país deles proíbe). Um sujeito com 80 anos, futuro Ministro do Turismo, anexa as despesas de uma festa num motel às suas verbas indenizatórias como parlamentar. Ele tem 32 paus por mês para torrar, desde que justifique o gasto, mesmo que isso exija o "sacrifício" de fazer o dinheiro público cobrir celebração em motel.

Essas são as escolas de extermínio: as instituições que abrigam doses cavalares de meliantes, que se locupletam com o suado dinheiro arrecadado da população e dos negócios honestos. O Bope, com sua sinistro treinamento mostrado no Profissão: repórter, é apenas um efeito colateral do que é determinado no alto. Soubemos que um recruta morreu de desidratação quando se submetia aos exercícios de preparação da tropa. Normal? Para mim, nada é normal. O Brasil está na mão dos anormais.

Caco Barcelos e sua equipe corajosa mostraram os planos de “pacificação” da favela conflagrada, mas não deixaram de lado a denúncia, feita com competência. É um programa importante, jogado para um horário proibitivo e super apertado entre aulas de prostituição (As Cariocas, que ontem mostrou como uma mulher honesta se vinga do seu homem, fazendo trottoir) e o último noticiário da noite.

RETORNO - Imagem desta edição: "Morro da Favela", de Tarsila do Amaral. Visão idílica do bairro inventado pela miséria.

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