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1 de novembro de 2010
A POLÍTICA É O CRIME POR OUTROS MEIOS
Dois terços do eleitorado brasileiro assiste, bestializado, a vitória do crime comum proporcionada por um terço dos 135 milhões de votos disponíveis. Abstenções, nulos e em branco somaram-se ao total conseguido pela chapa de oposição para serem superados, numa matemática perversa, pela candidatura que representa as práticas ilegais, as biografias suspeitas e as políticas públicas prejudiciais as quais pretende dar continuidade. A responsabilidade por essa tragédia é a tirania que está no poder e a vanguarda do eleitorado ágrafo que postou-se à frente dos meliantes: a academia raivosa e equivocada, a miséria espiritual travestida de religiosidade de última hora, a mídia comprada e a ingenuidade que ascendeu à esperteza das novas e antigas malandragens.
Por que foi a vitória do crime comum? Muito simples. Vamos começar por quem apoiou. O principal assessor do presidente está sendo processado num caso de propina em Santo André; o entorno da candidata passa por um corredor polonês de acusações, de Sarney a Fernando Collor e Palocci; a própria candidata é participante confessa de um assalto ao cofre de Ademar de Barros, o que é bem diferente de um crime político. Além disso, vimos como o atual presidente apoiou um ato de violência contra o candidato de oposição, acusando-o de fraudulento e ao médico idôneo que o atendeu depois do atentado.
Nem é preciso se estender mais. Basta apontarmos o uso ilegal da máquina governamental, que teve de tudo, principalmente um presidente que não fazia diferença entre o cargo exercido e a pregação palanqueira pura e simples. Foi escancarada a participação do poder público, sustentado pelos impostos escorchantes numa campanha de pura lama, onde se destacou o engajamento partidário de quem deveria manter isenção. Tudo isso alimentou as táticas nazistas, tanto a dos grupelhos aguerridos e agressivos nas ruas portando bandeiras vermelhas quanto o das mentiras e distorções, em que se atribui aos adversários o que se faz na prática e repetindo à exaustão as inverdades para que pareçam verdades.
Para maquiar semelhante contrafação, usou-se dos mais marotos expedientes. A religiosidade fingida, por exemplo, foi uma delas. O ateismo convertido rapidamente numa peregrinação escandalosa a Aparecida, onde ficou claro que a candidata não sabia nem fazer direito o sinal da cruz, serviu para acobertar as verdadeiras intenções do continuísmo: o de legalizar práticas como a prostituição, como está explícito no PNDH-3, da secretaria da presidência da República. Mesmo a oposição militante dos religiosos, com o Papa à frente, não foi suficiente para barrar a avalanche de votos revelada mesmo antes da abertura das urnas eletrônicas, o que é mais um elemento de suspeita nesta campanha sinistra.
Os jornalões estampavam a vitória da situação em pleno dia da votação, influenciando assim o voto e também preparando para uma possível fraude, pois o resultado favorável ao governo estaria plenamente justificado pelos índices suspeitos. Antes que o TSE começasse a divulgar os primeiros números, as personalidades do petismo previamente triunfantes já davam entrevistas escandalosas e sorridentes, apoiados pelos traidores da chapa da oposição, que passavam a mão no candidato que ousou peitar a máquina pregando a união nacional. Só como um túnel, como diria Neruda, José Serra fez um brilhante discurso de despedida, prometendo continuar lutando, na maré alta dos seus mais de 40 milhões de votos.
E assim se encerra minha participação nesta campanha, em que fui empurrado do voto nulo para o voto de oposição, abraçando uma candidatura abandonada pelos aliados (FHC, que traiu nos dois turnos, certamente será premiado com o cargo de adido cultural em Teerã). Perdi amigos e me livrei de admirações obsessivas, máscara da inveja. Participei da composição de linguagens da candidatura, contribuindo com minha experiência de maneira voluntária, gratuita e desassombrada. Não virei tucano nem qualquer outra espécie da fauna política.
Sou apenas um brasileiro da cidadania em pânico, que tentou, em vão enfrentar o tsunami da incúria e da má fé. Lamento que tantos talentos tenham deixado se envolver pela falcatrua. Não lhes quero mal, mas pergunto: pararam para pensar? Ou terão de provar o fel do que pregaram e aprender mais uma vez (talvez agora tarde demais) com erros tão gritantes?
Para os luminares que deixaram de lado os princípios tão arduamente estudados, como Emir Sader, Marilena Chauí e Leonardo Boff, fica a carga mais pesada das responsabilidades: a nação precisava do acervo a que tiveram acesso no sistema público de ensino, mas ganhou apenas o sofisma cevado nos interesses pessoais. Crime imperdoável ao qual terão que prestar contas à consciência quando os resultados de suas posições estiverem ainda mais explícitos no cenário de ruínas que nos cerca.
RETORNO - Imagem desta edição: obra de Magritte.
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