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19 de outubro de 2010

SELVA POLÍTICA


Nei Duclós (*)

Palavras feitas para ferir dominam a política, que assim se transforma na arena bruta de um imaginário perverso, o que exclui, numa prática que deveria ser pautada pelo espírito público. O amor ao próximo, base da religião, ou a solidariedade, fundamento do convívio social, cedem à desavença como profissão, ou pelo menos como postura de indivíduos aparelhados em grupos de extermínio. Haverá ressaca de tanto fio usado para o corte dos adversários. As eleições passam, mas a dor continuará.

Amizades antigas se esfarinham no baú coletivo de confrontos. Cumprimentos são suspensos, como pontes desamarradas nas pontas, a navegar o abismo. Nem sempre o motivo é sólido. O que se destaca é o detalhe, o conflito à toa. Não há convicções por trás da maioria das falas, apenas vontade de ganhar a parada. Queremos vencer a discussão e para isso viramos cavaleiros medievais de armaduras vistosas, pontuadas pela ilusão de verdades.

Este embate é o mais intenso que vimos em nossa longa vida. Talvez mais do que nos meses anteriores ao golpe de 64, quando a campanha presidencial já tinha tomado conta de tudo e, no colégio, armávamos campanhas ferinas contra inimigos postados na cadeira ao lado. Hoje nos cruzamos nas redes digitais, onde confluem as palavras mais amargas. Focados numa luta que decide futuros, fazemos parte da sucessão de chances perdidas no país que não acerta o passo.

Talvez sejamos excessivos no momento que antecede o voto e escassos no período que se segue. Deveríamos manter a guarda no exercício dos mandatos, mas sabemos como funciona: tudo cai nas mãos de conluios, negociatas, verbas paralelas, obras inacabadas, projetos pífios e uma arenga interminável, pontuada por escândalos. Não deveria ser assim. Os problemas que nos levam ao debate feroz deveriam ser as únicas vítimas da cidadania engajada nos sonhos de melhoria.

Mas o que vemos são ruínas. Principalmente do discurso que, quebrado por inúmeras investidas, se aliena no ressentimento ou se consome da vontade de emigrar. O fato é que não podemos adiar esse compromisso. Política não comporta o amor secreto, que é a ausência da palavra. O coração está na praça, mas a razão, irmã da ética, deve dar as cartas.

RETORNO - (*)Crônica publicada nesta terça-feira, dia 19 de outubro de 2010, no caderno Variedades do Diário Catarinense.

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