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11 de outubro de 2010
A LÍNGUA INTRADUZÍVEL
Nei Duclós
Como se diz eu te amo na separação?
Como expressar saudade quando a perda
De sentido é irreparável?
Como se pede um pão para o espírito
Abandonado no cais sem nada à vista?
Como invocar socorro no ruído?
Incorporar-se à caravana de sons
Que viajam juntos para formar a língua
Mas que desiste exausta no caminho?
Português, língua do Brasil, intraduzível
Perdeste o rumo como pássaro cantor
Longe do ninho. E a casa não está para lá
Do mar ignoto, mas aqui ao lado, onde a dor
Compõe o surdo baque de um corpo no sótão
Ouvimos, mas não sabemos do que se trata
Foi o vento, a despedida de uma idade finda
Ou a trouxa do tempo despencando do teto
como um tornado que dobra o quarteirão?
Desenrolamos, trêmulos, o pergaminho
Notícias do front, país em desperdício
E nada fica a não ser a fala condenada
De um poema posto no lixo, uma academia
De formas inconclusas, uma pose, colarinho
Cabelo com gomina, golas pontudas
E a tropa na rua a quebrar os vidros
Porque são os urros que dominam no caos
Que construímos neste longo exílio
Dizer apenas te amo e aguardar as velas
Talvez uma chama, um cobertor, uma janela
Dedos de seda e a voz mais doce que a razão
Pedir o pão, aguardar o vinho, ouvir a canção
Que se desdobra de teus olhos frios, vítima
Que és do jargão bruto que arma o discurso
Como lança diante do castelo. Mas não há medo
Mulher, criança, velho, peão, todos acorrem
A dizer a mágica palavra que nos protege
É nosso segredo, tesouro, patrimônio
Esses guardados como brinquedos vivos
Bichos empalhados que formam rebanhos
Estantes lotadas de corações partidos
E nosso sonho, como um gato a descansar
No peitoril, portal, desvão, carpete
Somos um velho barco à espera do resgate
Lá vem a paixão a reinventar começos
E a tradução, enfim, clara, lúcida, soberba
RETORNO - Imagem desta edição: Marulho, de Cildo Meirelles.
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