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10 de agosto de 2010
O FIEL ESCUDEIRO
A narrativa romanesca ou audiovisual jamais muda: há sempre o herói e seu fiel escudeiro. Sob todas as formas, como mestre/discípulo, veterano/novato, sonhador/pragmático, invencível/humano, adulto/moço. A trama pode ser policial (Tango/Cash), épica (Quixote/Sancho), justiceira (Zorro/Tonto, Batman/Robin), cômica (Dean Martin/Jerry Lewis). Por que esse binômio é obrigatório e por que sempre funciona?
Acredito que o motivo principal é que o fiel escudeiro representa o leitor/espectador, que aspira ao protagonismo, quer se transformar no seu ídolo, enquanto faz o papel da sua sombra. Essa migração entre o coadjuvante e o principal leva junto o espectador. É o esforço de decifrar as altas esferas, as quais só o primeiro time tem acesso, de atingir um patamar mais alto a que foi relegado pelo berço ou destino. É a superação diante do universo hostil, reconhecendo que existe alguém maior, mais preparado e que é preferível seguir seus passos para chegar a algum lugar do que se recusar a aceitar a liderança e ficar sempre amarrado.
O campônio que vira governador no livro de Cervantes encarna essa função mítica e pragmática. O fiel escudeiro é quem se assombra quando surgem os umbrais, o que comenta como leigo o que vê sem entender, e reage mal diante do perigo. É a maneira de a trama aproximar o público da história, de envolvê-lo colocando-o dentro da rede. E de levá-lo para a mão até o desfecho, que costuma ser favorável.
Quem assiste fica fisgado pela possibilidade de palmilhar o caminho em direção à realização, ao conhecimento, à aventura, à vitória. Isso só é possível por meio do fiel escudeiro, frágil no começo e que com o tempo ganha a confiança do chefe. Este, precisa da precariedade e escassez do seu braço direito para poder realizar suas façanhas. É possível até ser salvo por ele – naqueles momentos em que o fiel escudeiro cresce de importância e se transforma diante da percepção não apenas do herói, como da massa que consome a narrativa.
É quando saltamos o abismo e deixamos de ser essa criatura inerme sentada num sofá para alçarmos vôo, a exemplo do cabeça de área, o sujeito que sabe o que está fazendo e para onde vai. Quando os dois ficam próximos ao longo do texto, o fiel escudeiro se torna parte do mito e cresce até atingir a glória. Ou então, permanece assim, dependendo se haverá continuidade da saga em outros volumes ou não.
É o isolamento como representação da imobilidade, que leva à união indissolúvel dos dois, que juntos inventam a ação. Toda dupla tem esse função, a começar pela principal delas, o casamento, que rompe a solidão e gera a descendência. No caso da dupla da ação (que muitas vezes compete com o casamento) o objetivo é também fugir da maldição humana, de nascer e morrer só. A liga entre o dono da história e seu amigo mais próximo significa o esforço de romper com esse cerco do mundo inimigo.
É preciso unir forças para derrubar os muros. O nó da amizade junta o Ideal, ou a Força - nem sempre lúcida, já que precisa muitas vezes da coragem cega para realizar algo - ao seu avesso. O Pragmatismo, o Medo, a Prudência se junta ao Sonho para que algo venha à luz. É a história, que nos prende a atenção porque temos uma porta de entrada: o sujeito tosco que nada sabe e tropeça em tudo o que vê, mas que acaba sendo o mais simpático dos dois, o cara que está ali para ser visto de cima por nós.
Pois nos identificamos com o herói, enquanto de fato somos o escudeiro. Nós, leitores, espectadores, não nascemos para grandes feitos. Mas o amigo do mocinho nos introduz para essa possibilidade, basta seguir o líder, ajudá-lo nos momentos decisivos, para rompermos o círculo que nos prende. É quando enfim atingimos a capacidade de voar ou de atingir a imortalidade.
Começamos como ajudante de ordens e acabamos na cadeira do general. Não tínhamos acesso ao trono. Mas o fiel escudeiro nos levou até lá. Quando somos enfim invencíveis e levamos a mocinha para casa.
RETORNO - Imagem desta edição: os robôs de Star Wars reproduzem o Quixote emotivo e o Sancho pragmático.
EXTRA: VENHA PARA A FOOT-BALL
A segunda edição da revistaça Foot-Ball, que tem no comando o mestre Moacir Japiassu e seu filho Daniel Japiassu, está um estouro. Belissima edição para os aficcionados do esporte e do bom jornalismo, para os amantes do bom texto e da alegria de ler e ver. Fui convidado para participar e compareço com Grenal, a Guerra Centenária, que pode ser vista neste link. Mas tem muito mais. Leia, divulgue, compre, colecione.
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