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30 de agosto de 2010

O ESSENCIAL E O ÉPICO EM CONFUCIUS, DE MEI HU


Deveria escrever sobre as eleições? Ser “pontual” e gerar textos datados sobre a impermeabilidade da política? Ou insistir em cinema, literatura, poesia e arte, como tem sido os assuntos aqui do Diário da Fonte? A resposta é dada pelo excesso de Sétima Arte neste espaço onde, em tese, cabe tudo. É por isso que hoje abordo um filme estupendo, daqueles que te devolvem o sentimento de espírito habitado, não só pela excelência da realização (um assombro de produção, interpretação e direção), como pela correção de sua linhagem, já que se trata de uma obra grandiosa, mas de narrativa enxuta, em que a objetividade convive com o intimismo, a força com a leveza, a sabedoria com a brutalidade, a vida doméstica com a política.

O crédito é para a equipe liderada pela mais celebrada cineasta da China, diretora de grandes épicos históricos que fizeram sucesso arrasador na televisão do seu país desde o final dos anos 90, Mei Hu, que ocupa hoje o topo entre os grandes realizadores do cinema chinês. No seu épico Confucius (2010), ao selecionar a fase da vida de um mito da filosofia, da educação e da política, ela atinge o nível de obras fundamentais.

O Ocidente tem perdido essa capacidade de abordar com seriedade o épico, a grandeza das transformações que marcam a humanidade. A China o recupera, não só porque tem bala na agulha, uma história de cinco mil anos, mas porque dispõe de gente qualificada que sabe o que faz. Por motivos políticos, o governo chinês patrocina as obras que regatam a China imperial. Mas tudo depende de quem faz. Mei Hu acerta no veio, equilibrando-se entre as tendências, hoje, de se enfocar o passado.

Não é preciso entregar-se a percepções obsoletas, mas também não se deve chutar o balde quando se aborda grandes personalidades. Enquanto Peter Greenaway debocha de Rembrandt apresentando-o nu, superficial, escatológico em Nightwatching (2007), Mei Hu mostra Confúcio como um estrategista, que se enreda na política do seu reino, e que só adquire a aura do mito depois de muito sofrimento e erro. Para encarnar o grande personagem , ela convidou Yun-Fat Chow, ator de filmes de ação. Foi criticada. Acharam que iria fazer besteira com Confúcio. Ao contrário, Chow arrasa com um personagem dinâmico, assertivo, insistente e concentrado, que aos poucos ganha sobriedade e se transforma com a experiência marcada pela dor e o exílio.

Não é preciso se fazer de interessante como Greenaway com seu pífio Rembrandt, que no fundo revela a soberba dos cidadãos deste início de século. Como possuem tudo à mão, e tem acesso a tudo, acham que são gênios. Como são gênios convictos, imaginam que gênios dos séculos anteriores eram assim como eles: ficavam falando sobre temas recorrentes hoje (os diálogos são de dar dó). Acham também que tudo se mistura, que o grande artista não passava de um bunda suja metido, a dizer e a fazer barbaridades.

No oposto dessas cretinices, Confucius é um primor de seriedade, e isso inclui uma visão crítica do grande sábio, que tomou decisões erradas, que foi enganado de maneira vil pelos espertalhões e que levou muita gente para a morte com suas decisões. Tudo isso não tira o seu mérito, pois continua sendo um paradigma, admirado por sua obra e sua biografia. Todo falado em mandarim clássico, Confucius tem ainda a chamada carpintaria de produção impecável. Chega a ser um anacronismo tanta perfeição nas guerras com suas máquinas e táticas, onde tudo funciona. Os conflitos mostrados na tela envolviam alta tecnologia, por isso a suspeita de anacronismo. Se incluirmos aí o festival de cores clássicas transformando Confucius numa galeria de arte, então o serviço está feito.

Trata-se de um filme admirável, que dá um banho nas frescuras de realizadores ocidentais. Foi-se o tempo em que o Ocidente gerava um David Lean. O maior cineasta do mundo está presente quando vemos este filme. Como Lawrence, como Jivago, Confucius arrebata pelo carisma do mito e pelo talento de seus realizadores. E por ter uma narrativa que é um primor de edição, onde só o essencial vinga. Isso não significa que haja apenas cenas de ação. Há equilíbrio entre a introspecção e a fúria, entre a paixão e o ódio, entre a alegria e o remorso.

Confucius. Veja, para saltar da cadeira nos momentos da luta, aprender um pouco de política nas conversas entre generais, ministros e soberanos, e chorar quando o Mestre volta à sua terra.

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