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6 de julho de 2010
QUEM TEM RAZÃO?
Nei Duclós (*)
Freguês só atrapalha. Comerciante gosta de ficar focado nos seus assuntos, como receber fornecedores, manobrar com funcionários, cuidar do estoque, acompanhar o faturamento, ficar atento aos impostos. O cliente deveria permanecer em casa, jamais entrar em estabelecimento que pertence aos outros. Poderia também depositar mensalmente na conta da empresa uma quantia razoável em troca de nada. Assim tudo ficaria nos conformes.
Não haveria necessidade de levantar a voz nas conversas domésticas, entre colaboradores e patrões, que geram filas de desamparados no caixa. Se cumprissem seus encargos, que é pagar pelo que não conseguem comprar, o mundo seria melhor e haveria mais paz, concórdia e até felicidade. Nem haveria necessidade de abrir as portas de manhã e fechar abruptamente à tardinha, na hora em que as pessoas têm algum tempo para se dedicar às compras. Bastaria manter-se lá dentro e não permitir que necessidades adventícias viessem desestabilizar o ritmo dos negócios.
Não é admissível que o comprador faça cara de impaciência diante da conversa dos atendentes do comércio. É preciso se submeter ao que é muito mais importante, se fulana chegou, se ciclano já foi, se a limpeza começou, se o caminhão descarregou, se a mercadoria foi devolvida, se é preciso repor. De que se queixam os clientes afinal? Sempre há um sorriso mecânico para recebê-los, apesar do olhar distante e o ouvido em outro lugar. Mesmo que a algaravia de quem deveria ser atencioso confunda o troco, a culpa é sempre do mal acostumado que exige ser despachado logo.
Para que tanta pressa? Vão tirar o pai da forca? A pressa é inimiga da perfeição. Quem com muita sede vai ao pote pode ficar sem ter o que beber. É assim que funciona. E é preciso atravancar corredores com produtos de todo quilate, pois não há prateleira que chegue. Se a loja estiver no santo sossego, é hora de dar uma varridinha básica, mesmo que a vassoura passe por cima do sapato do desavisado que não sabe a hora certa de vir aqui incomodar. Muitas vezes, vistos de longe, eles podem ser expulsos com vassouradas prévias, com antecedência, que deixam claro as intenções do empreendimento. Deve-se evitar que se introduzam no recinto. Assim fica tudo limpo e o que é melhor: sem freguês para atrapalhar.
Tem gente que não tem noção de coisas tão evidentes.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 6 de julho de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: obra de Ricky Bols. 3. Hoje, dia em que publiquei esta crônica, entrei na padaria e reclamei do som horroroso e altíssimo. "O senhor não gosta? Mas é música de Igreja!". Antes de sair correndo do estabelecimento, que me expulsava com o ruído, respondi: "Pobre Deus, deve estar tapando os ouvidos".
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