Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
Páginas
▼
8 de junho de 2010
QUADRADOS AO CUBO
Nei Duclós (*)
No império da bola em que se transformou o mundo nesta Copa, prefiro abordar algo oposto. Seis quadrados formam um cubo. É mais simpático e técnico, embora menos poético. Ninguém vai dizer, parafraseando o narrador esportivo Fiori Gigliotti, “lá vai o quadrado branco rolando num céu de grama”. Fica bizarro.
Sabemos os benefícios provocados pelo cubismo, um movimento copiado por Picasso a partir de uma obra de Georges Braque. Picasso chupou a arte africana para fazer Demoiselles D´Avignon e dizia que o gênio copia (cito de memória, que é a verdadeira citação; a citação ipsis litteris é plágio). Com o cubismo o mundo se livrou das formas redondas vindas dos clássicos e do Renascimento. A circunferência já tinha praticamente se diluído com os impressionistas, quando Van Gogh flagrou o momento em que ela se esfumava no céu noturno ou enlouquecia na forma de girassóis. A humanidade descobriu que a arte era um conjunto de pontos e linhas e não uma peça de toucador que refletia as poses da madame diante da própria imagem.
Curiosamente, a reação a tudo o que é quadrado, e portanto, transgressor, na cultura veio exatamente de quem se situava na vanguarda. Nos anos 1960, a secura, as pontas, a rigidez dos cânones foram novamente implodidas pela curvatura da rebelião de massa, instrumentada por canções insurgentes e livros radicais , como “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, ou “Nós estamos por toda parte”, de Jerry Rubin. Quem não compactuava com os novos tempos era jogado na vala comum dos “quadrados”.
Rubin mais tarde se transformou num bem sucedido investidor em Wall Street, enquanto Debord acabou sumindo e morrendo em seu brilhante radicalismo. O tempo tudo lava e repõe ciclicamente as formas geométricas do comportamento e do saber. Nada escapa dessa quadratura do círculo. Até mesmo o futebol, tão redondo em suas certezas. Tirando camisas, torcidas, urros e cornetas, vemos que o futebol é uma arte de encaixes, em que uma esfera precisa ser colocada dentro de um retângulo para haver pontos. Pensando bem, a pequena área, um espaço retangular, é apenas a sombra projetada pela bola sobre o arco, isso se a jabulani for considerada uma espécie de sol africano.
Como disse, não há como escapar desse assunto, por mais voltas que o mundo dê.
RETORNO – 1. Imagem desta edição: "Casas em l´estaque", 1908, de Georges Braque. 2. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 8 de junho de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário