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15 de junho de 2010

A NÚMERO CINCO


Nei Duclós (*)

A bola de couro número 5 era o Rolls-royce das pelejas esportivas dos tempos idos. Tinha o tamanho e o peso certo, toda costurada a mão, peça de artesanato que servia de parâmetro para campeonatos, torneios e amistosos. Era preciso reformular um campo inteiro para abrigar jogos com aquele objeto caro, raro e só acessível aos endinheirados, filhinhos de papai ou obsessivos em geral. Era como passar no vestibular: quem aplicasse um chute certeiro no biroço de ouro já era considerado craque do selecionado.

O grosso solado de sua curvatura exibia a resistência dos produtos intermináveis daquela época, quando carro, geladeira, pulôver, casaco ou sapato eram para toda a vida. Menos para nós, petizes em fase de crescimento ostensivo, que tornavam obsoleto todo esforço de perenidade. A única coisa que permanecia para sempre era a bola número cinco, que exibia o carisma dos Stradivarius ou dos licores clássicos.

Era uma obra renascentista a ser exibida para olhos arregalados de garotos de rua aos molambos, os que ainda estavam na fase de bola de meia e no máximo ganhavam algo intermediário, uma número três, por exemplo, que não exigia respeito. Quando uma número cinco aparecia nas redondezas, havia a suspensão imediata de toda atividade para uma sessão de admirações exclamativas.

O grande perigo era alguém muito ruim no drible ou no gol ganhar de presente, de modo imerecido, o que era desejado pelos bambas de todos quadrantes. O ritual então era sempre o mesmo: o jogador medíocre, mas abonado, era paparicado até afrouxar a guarda e soltar a belezura no meio do gado. Era o batismo de fogo, que tinha por objetivo estraçalhar, por vingança, o presente tão ansiado. Só quando todo o couro estava esfolado e os gomos se soltando nas costuras é que devolviam, quase murcha, aquilo que outrora tinha conquistado o olhar guloso da turma.

Era quando, em choro desatado, o chambão corria para debaixo da cama, a acariciar o que imaginara ser seu passaporte para a inclusão. Mas tudo não passava de uma tarde de ilusões. Porque a vocação e o destino eram coisas que escapavam de qualquer numeração e pertenciam a quem nascia para isso. Para quem dispunha daquele espírito soberbo de um centroavante diante do goleiro em pânico. Isso não se comprava na loja da esquina.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 15 de junho de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Repito aqui a fantástica foto do nosso time da segunda série ginasial do Colégio Santana. O goleirão ao centro agachado sou eu. Lá estão Chitoca, Julio Lhamby, Rubens Guez, Zeí Pons e o irmão Gotardo, entre outros amigos dos melhores tempos.

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