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13 de abril de 2010

MAIS VOGAIS



Nei Duclós(*)

Países imperiais cevados no frio só descobriram as vogais quando aportaram nas terras banhadas pelo sol. Excesso de luz, brisa marinha nas palmeiras, abundância natural liberaram as emissões fonéticas de todos os obstáculos e foi assim que nações consonantais foram seduzidas por algo mais valioso do que o ouro. Levaram alguns exemplares para exibir nas Cortes junto com papagaios e índios, onde foram incorporadas em parte.

Há resquícios de vogais em línguas européias, como o português de Portugal e o alemão. Em outras nações ganharam conotações bizarras, como no francês, em que se faz biquinho na hora de emitir um u, que, como dizia meu professor de ginásio, tem o som de buzina de fordeco velho. Ou no italiano, em que as vogais se transformaram em atrações nas manifestações coletivas.

Os italianos são mestres do ilusionismo, o que ficou provado definitivamente quando juntaram milhares de fabriquetas de roupas altamente perecíveis, jogaram dentro de tonéis de tinta, fizeram campanhas publicitárias com pacientes terminais rodeados de familiares desesperados e batizaram tudo isso de design. Uma lição para quem, como nós, vive gerando escassez com o que possui de sobra .

As vogais só não conquistaram países mais remotos, naquele cinturão de asteróides étnicos que faziam parte da matéria-prima da antiga Cortina de Ferro. Para amenizar a dureza que é falar só por consoantes, eles malharam em ferro frio o que dispunham, enchendo as letras de chumbo com articulações variadas, molhando-as com arranques agudos. Amigos que visitaram recentemente um desses lugares ficaram impressionados como eles precisam de frases longas para avisar a próxima estação do trem elétrico. Ignorar vogais gera esse tipo de transtorno.

No Kirguistão, que se situa na Área Consonantal Profunda, na recente revolução popular que derrubou o governo corrupto, um engraçadinho colocou “mais vogais” na lista de reivindicações. É uma demanda justa. Vogais servem para o grito indignado em praça pública. Não se acaba com uma tirania se submetendo à ditadura das consoantes. Ao mesmo tempo, vimos entre nós que uivos não são suficientes para mandar embora os meliantes da política. Bem que precisávamos de uma cultura fonética mais concreta para fazer valer nossa vontade de mudança.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 13 abril de 2010 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: o povo em sua majestade, na recente revolta no Kirguistão contra um governo traidor e corrupto. Não lembra nada, não? Quem nos dera tanta coragem! Peguei emprestado a foto para divulgar o site onde aparecem essa magnífico movimento popular. Ela foi feita por Vladimir Pirogov, da REUTERS. A cobertura visual, fantástica, está neste link.

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