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5 de janeiro de 2010
MARIO QUINTANA: A OUTRA VIDA
Nei Duclós
O reino de Mário Quintana não é deste mundo, onde a história é friamente traçada pelo calendário e onde as pessoas não podem dispor de seu próprio tempo. Seus poemas são janelas abertas para a outra vida, que não é, obrigatoriamente, o que está além da morte, e sim o que está além das vestes do tempo implacável, das modas e dos frágeis valores modernos.
Já na introdução do livro (lançado para comemorar seus 70 anos) ele avisa: "O fato é que nunca evoluí. Fui sempre eu mesmo". Aparentemente, esta blasfêmia poderia justificar alguns equívocos sobre sua obra, pois numa época onde tudo deve obedecer a uma rígida evolução histórica, é fácil surgirem preconceitos contra uma poesia que fala em tias velhas, relógios parados, retratos amarelos, fantasmas e escadas de caracol. E que faz queixas c denúncias contra o "progresso", que acabou com o prazer nas cidades, fechou o céu e expulsou as árvores e os grilos.
Jogo de espelhos — Mas todos esses elementos são apenas peças de seu baú particular. O importante é seu despojamento radical diante de tudo, a incessante busca da verdade e a fidelidade ao movimento eterno do universo. Nessa busca, ele descobre um reino impecável, onde Deus e a vida estão nus e onde a realidade das coisas não passa de um jogo infinito de espelhos. Nesse outro mundo tão próximo de nós, a morte é apenas um disfarce e o tempo, uma armadilha mágica, onde todos devem se deixar cair.
Para subverter a percepção do mundo, como os feiticeiros, Quintana usa armas poderosas: a emoção (principalmente), o humor, a ironia e a clareza. Com elas, investe também contra a piedade e a autocompaixão: "Mas não! este poema não é nenhum abrigo antiaéreo ... Ah, tu querias que eu te embalasse?! Eu estava, apenas, explorando uns abismos..." Pois ele sofre, como ninguém, as distorções da emoção neste mundo dos relógios, onde os poetas líricos são vistos com desdém ou com melosa admiração.
Contra esses equívocos, Quintana tem uma resposta em seus "Apontamentos": "Não tenho vergonha de dizer que estou triste/Não dessa tristeza criminosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:/Estou triste porque vocês são burros e feios/E não morrem nunca..."
APONTAMENTOS DE HISTÓRIA SOBRENATURAL, de Mário Quintana; Globo/IEL; 167 páginas; 25 cruzeiros.
RETORNO – Resenha publicada na revista Veja 418, de 8.08.1976
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