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27 de janeiro de 2010
INVERSÃO DE PAPÉIS
Alguém me adiciona no Twitter. Visito então o perfil de quem fez o gesto e noto, algumas vezes, que é preciso enviar uma solicitação para ser adicionado. Quando me parece alguém sério, me submeto ao trâmite. Resultado: lá aparece a mensagem me dando as boas vindas. Bem-vindo o cacete, essa seria minha fala nessa situação. Outro exemplo: o sujeito me envia spam do seu blog e me chama de “leitor”. Leitor é a progenitora.
Lembro sempre aquela piada da chanchada brasileira em que o grandalhão diz: “Fico o tempo que eu quiser”, ao que a perua adverte: “Nem um minutinho a mais, viu?” A inversão dos papéis atinge assim o estado de arte. Custa a cair a ficha: aquele paparico em cima de você é para te cobrar, te arrancar alguma coisa ou te fazer de subalterno. Na hora em que você morde a isca, está perdido. Te chamam de um grande coisa. No dia seguinte te cobram por esse papel que você não reinvindicou: “Já que você é um grande coisa, por que disse isso ou cometeu tal erro?”
Você acha que virou vitrine, mas é apenas vidraça. Prepare-se.Sendo o que dizem ser, você acaba à disposição da pressão alheia sobre desempenho de papéis, que é sempre o avesso do que foi imaginado. Quando existe envolvimento físico, então, é a tragédia total. Te pedem um favor: levar em mãos alguma coisa para determinado lugar. De boa vontade, você vai. Chegando lá, é tratado como serviçal. Tempos depois, estão querendo que você repita o gesto: ei, vê se dá uma varridinha, ou alcance o cafezinho.
Vizinhos promovem a maior muvuca em frente da sua casa. Prudente, você vai dar uma espiada. Logo que sua fuça assoma no portão, alguém mete as mãos na cintura e dirige o queixo bem espichado para você. O intruso não é ele. Você é o invasivo, por querer saber o que fazem na porta da rua. Mas é que todos tem o direito de foder com a vida alheia. Estão garantidos. Nunca errados.
Tenho ido pouco à praia. Janeirão cheio de mormaço, sol venenoso, chuva e ventania. Foi-se a época do tempo firme no início do ano. Mas a pouca freqüência na areia não diminui os transtornos. Uma coisa que me surpreende é a capacidade de grupos dominarem todos os espaços. Você se acomoda placidamente num canto e de repente está rodeado de urros, uivos, gargalhadas estéreis, conversas compulsivas, patadas na areia, respngos de corpos fedidos, gotas de sorvetes que pingam de bocas ávidas. Você chegou antes, mas deve se retirar.
A voracidade com que devoram milho, picolé, caipirinha, cerveja, sanduíches na praia impressiona. Línguas em intensa atividade, bocas escancaradas, ansiedade total. Parece que não há tempo para mais nada. Aproveitar ao máximo é a lei. Depois de nos livrarmos do Apocalipse de Nostradamus (ninguém fala mais no sujeito) na virada do milênio (palavra que deu para bola) agora vem o apocalipse maia em 2012. O fim dos tempos deixa todo mundo desarmado diante do que realmente estão fazendo:transformam cidadãos em pessoas medrosas,enraivecidas, prepotentes.
Amor há, mas pouco se manifesta. É preciso inverter a balança sinistra e deixar que o prato do amor tenha mais presença. Senão nos devoraremos todos em churrascos ruidosos dos últimos fins-de-semana.
RETORNO - A imagem é a aquela que todos conhecem. Bastou escrever o texto pesado acima para fazer uma bela tarde de sol e descobrir o óbvio: o mar é sempre maior e na praia tem muita gente tranquila. Mudamos de humor e de sintonias conforme a terra vai reagindo a tanta atgressão. Nada como o verão em sua forma clássica para inverter os papéis: o pessimismo some diante do crepúsculo, pontuado pelas ondas e o cantinho de areia inventado pela montanha.
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