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11 de janeiro de 2010

ALTA TEMPORADA


O litoral brasileiro, deslumbrante, foi transformado numa arena complicada porque está em grande parte privatizado e entregue às baratas ao mesmo tempo. Ou seja, lotearam a praia, cobram os tubos e nada fazem de beneficiamentos. Fica tudo ao Deus dará. Não existe administração pública no Brasil, apenas extrativismo. Querem extrair, colher, devorar, gozar. Vemos o resultado desse mau exemplo que vem de cima: bêbados tirando a cabeça para fora do carro e berrando. Quem ainda se diverte são as crianças, porque persiste o hábito do veraneio familiar, o que segura um pouco as pontas.

A culpa é da falta de políticas públicas, que escancaram os territórios do litoral para a especulação e a falta de propósitos. No litoral norte de São Paulo, vi há tempos, pela primeira vez, mansões e muros cobrindo o caminho para o mar, que só pode ser acessado por estreitos corredores. Acontece isso em vários lugares. As pessoas chegam e perguntam: onde está o mar? Atrás das biroscas. Há uma cobra de concreto cercando todos os espaços para a areia. Os carros se apertam em vielas e na alta temporada vira tudo um engarrafamento só.

No domingo, para tomar banho na onda, as pessoas são obrigadas a estacionar em fila tripla. Os moradores não gostam do alto verão, aguardam março, que é mais tranqüilo e ainda há tempo quente. Gostariam que houvesse o mínimo de organização, saneamento. Lixeiros desesperados ficam o dia inteiro carregando toneladas que se acumulam por todo canto. Gente demais se amontoa em cada centímetro do território.

Deveríamos nos espalhar com conforto por toda a orla. Temos de sobra. Mas a idéia é fazer todo mundo pagar o maior mico. As multidões s locomovem de automóvel. Não tem um só trem para nos carregar com tranqüilidade pelo Brasil afora. E agradecemos quando escapamos de aguaceiros como este no litoral do Rio e no ano passado por aqui. Fiquei impressionado que as pessoas pagaram cinco mil reais para passar o reveillon embaixo de uma tonelada de barro. Com cinco mil reais dá para comprar um país e ainda sobra troco para um arquipélago. De onde tiram tanto dinheiro?

O Brasil é um país estranho. Prefere desenterrar crianças do barro do que ter políticas decentes de moradia. O mau costume é colocar a culpa no povo, quando é dos especuladores e seus aliados nos governos. "Eles constroem onde não devem e não querem sair de lá", dizem do pobrerio. Deve ser mole conseguir casa sem ter renda. Ou falam mal dos especuladores sem nenhuma conseqüência, pois a incúria continuará. Inundações cíclicas provocam reações repetitivas, com histórias edificantes de salvamentos e a cara de boi compungido dos apresentadores.

O país é do pau a pique, avesso a alicerces, ao cálculo, às aplicações da física e da matemática, onde pontes, igrejas, estradas desabam. Desmatamento, plantations, gado onde era selva, moradia pendurada no morro, empreiteiros sem engenharia, tudo isso é igual a destruição. Extrativismo, improviso, incúria, papo-furado, grilagem, má distribuição de renda fazem parte do modelo hoje embaixo d´água . O modelo de ocupação do território, que vem da época colonial, desabou com a chuva. Ou muda o sistema, ou seremos apenas barro.

Agora em janeiro, com o fim da folga compulsória de fim de ano, as coisas tendem a ficar um pouco mais equilibradas, mas nem tanto. Mas a muvuca se estende por dois meses. Depois, é aquele Paris,Texas: bairros mortos soprados pelo vento minuano. É quando bate a saudade do movimento, das comemorações, das visitas e dos momentos felizes em que as ondas fazem rolar os corpos exaustos na beirinha da praia.

RETORNO - Imagem de hoje: quadro de Juliana Duclós.

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