Páginas

19 de dezembro de 2009

MATADOR DE MATADOR – UM CONTO NO TWITTER


Nei Duclós

Máximas do Matador de Matador: "Me alimentem. Não trabalho durante as refeições."

Máximas do Matador de Matador: "Não encomendo a alma de ninguém. Só faço o serviço que foi apalavrado."

Máximas do Matador de Matador: "Franco atirador é covardia. Preciso ver a fuça do sujeito encomendado."

Máximas do Matador de Matador: ""Quem mata ruindade deve ter desconto na hora do Juízo."

O Matador de Matador só é encontrado em biroscas isoladas,longe até das estrebarias.Lá ele produz pensamento, debruçado sobre o balcão podre

O Matador de Matador tem ponto fixo na frente dos muros penitenciários. Encostado num poste, debaixo do sol a pino, ele aguarda o indigitado

"Circulando" diz o Guarda para o Matador de Matador.Mas se arrepende.Acaba de ser fuzilado pelo olho morto envolto na córnea do poço amarelo

Todo fim de ano, o Matador de Matador vai visitar o pai, morador do deserto em tenda de lata. Cego,o velho sente a catinga da Morte chegando


No reveillon, o velho tenta atingir o Ano Velho com seu rifle, mas em vão. Então o Matador de Matador aponta o céu e descarrega o revólver

Ele existe.Conheci o Matador de Matador na Feira do Livro.Ele ia praticar genocídio de autores, mas não deixei.Falei para entrar na política

Perguntei por que queria exterminar escritores. Ele disse: "Li dez livros, todos os personagens acabam morrendo. Prometi vingança."

Sugeri que fosse para Hollywood. "The killers killer?" perguntou. "Não me agrada. Não gosto do genitivo"

Tentei corrigi-lo, mas voltei atrás. O Matador de Matador jamais reconhece um erro. Seria o fim de sua espécie.

"Estavas indo bem com teu conto",me disseram."Até que descambou para a metalinguagem". Vou sugerir ao Matador de Matador mirar os críticos.

Máximas do Matador de Matador: "Desliguem o som. Meu revólver é acionado automaticamente pelo baticum."


RETORNO - Conto publicado nos limites até 140 toques, no Twitter. Imagem desta edição: Agildo Ribeiro, no clássico de Roberto Pires de 1962, o inesquecível filme Tocaia no Asfalto, recentemente restaurado e relançado. Um pedaço da sequência final vai abaixo. Agildo Ribeiro é o pistoleiro contratado para matar. Meu conto dialoga com o filme, mas os personagens são diferentes. Um reza pela alma de quem vai matar, o outro não. Um mata quem nunca matou, o outro não. Um bota metalinguagem no vatapá, o outro não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário