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9 de dezembro de 2009
A INVENÇÃO DO CAOS
Ver São Paulo submersa, com pessoas ilhadas, carros parados, gente morrendo, é enxergar um dos monumentos mais bem acabados da ditadura brasileira: o caos urbano, implantado de propósito, objetivamente. As ruínas em que se transformaram as cidades não é resultado da falta de políticas públicas, mas obra de políticas públicas voltadas para a desestabilização do espaço físico de convivência. Foi um trabalho e tanto. Vejam como isso aconteceu (é bom lembrar a origem dos problemas e não achar que eles fazem parte da natureza, assim como se o horror fosse um cogumelo que brota desavisado no campo molhado pela chuva):
MIGRAÇÕES - É a palavra políticamente correta para um crime. Tiraram a população do vasto interior brasileiro e a amontoaram nas cidades. Em vez de promover o bem estar social num assentamento tradicional, simplesmente optaram pela grilagem brutal das terras e o uso dos latifúndios para as plantations. Produzimos commodities, ou seja, frutos da terra transformados em mercadorias para a especulação a futuro.
O deserto verde da soja e da cana e as patas da proteína animal sem freios nos lugares onde era mata e cerrado, são eventos celebrados como grandes conquistas, enquanto todo mundo lamenta a favelização geral do país, como se uma coisa não tivesse a ver com outra. Como o escândalo é notório, fizeram o seguinte: inventaram o Incra, que é uma instituição que gasta o dinheiro disponível para a instauração da paz no campo, e marginalizaram os principais interessados. Estes se agrupam em organizações que acabam na mão de mentes criminosas.
Ao mesmo tempo, uma parte do agronegócio se ressente também da lógica e do bom senso e os produtores a toda hora se vêem às voltas com o endividamento e a escassez. Ninguém lucra, a não ser os superconcentradores de insumos e renda, que se dão o luxo de desperdiçar um terço do que é produzido. Nos alimentos, a máfia que domina o comércio atacadista e varejista soca tudo na Ceagesp, lucram os tubos e todos são incapazes de resolver o problema das inundações no local. Ver melancias, vendidas a preços extorsivos, rolando pela água suja é o espetáculo sinistro a que a invenção do caos nos condena.
TRÂNSITO - A partir do acordo de gaveta (secreto) entre JK e as multinacionais, os trens brasileiros, instalados no país desde o Império, foram sucateados. Principalmente depois de 1964, no seu lugar foi implantado o pesadelo da gasolina e do diesel, poluindo as cidades e entupindo o trânsito de assassinos e vítimas. Os bondes, ônibus elétricos, trilhos, tudo sumiu pelo espaço para dar vez aos bandidos que colocam aqui dentro uma fábrica nova por semestre, já que nos países de origem estão proibidos de cometer esse crime.
Todos exultam com “a geração de emprego e renda”, retiram o IPI e torcem para que se compre cada vez mais (à custa de endividamentos crescentes que vão gerar um buraco negro mais adiante). Não importa o dano físico e social que isso acarreta, com cidades paradas de tanto carro. É feito de propósito, para acabar mesmo com o país, retirar do suor da população tudo e não dar nada em troca. O excesso da gasolina também alimenta a indústria dos roubos de automóveis, que como se sabe está na mão de alguns por aí. Lembro um dia que um colega meu teve o carro roubado. Ele falou com um sujeito poderoso e o carro surgiu uma hora depois. Esse não pode roubar, foi a ordem.
Enlouquecidos pelo caos urbano, em que as ruas não suportam mais o volume de automóveis, e as estradas vivem cheias de criminosos em potencial, as pessoas praticamente se suicidam, sem deixar cartas de adeus. Todos querem escapar do pesadelo chamado Brasil. Por isso ultrapassam a toda velocidade na curva, batem de frente em caminhões e ônibus, despencam de precipícios e pontes, além de tomarem todas para invadir calçadas cheias de senhoras e crianças.
HABITAÇÃO - A população brasileira, a maioria sem recursos, imbecilizada pela longa ditadura, brinca de casinha: constrói moradias de papelão e madeira podre em terrenos encharcados de bactérias e miséria e ainda pagam aluguel para isso. Vive-se na mão de milicias e traficantes, além de vizinhos pentelhos que fazem barulho 24 horas por dia, isso em qualquer bairro e a qualquer hora. A falta de respeito que vem de cima se dissemina por todo o tecido social. O sujeito acha que pode colocar carro explodindo de som na frente da sua casa, berrar na madrugada (o que tanto celebram, meu Deus?), ligar serra elétrica, invadir teu quintal e ainda te chamar de trouxa.
Tudo isso é feito de propósito: quando mais divididos estiverem os brasileiros, melhor para eles. Podem continuar roubando à vontade. O problema é que os frutos dessa política do caos se reflete no varejo. Aqui onde moro, numa praia que deveria ser aprazível, o trânsito caótico e barulhento toma todos os espaços e transforma ruas e avenidas numa dura prova para os motoristas. Com raras exceções, ninguém dá vez, ninguém tem paciência para nada. Colocam suas máquinas uns sobre os outros porque não há estímulo bom que venha de cima.
RETORNO - Imagem desta edição: engarrafamento em São Paulo em 22 de dezembro de 2008, na região da Berrini. Tirei daqui.
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