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30 de novembro de 2009

O HERÓI DA LENDA


Nei Duclós

Permaneci muito tempo calado
Antes desta época eu não tinha voz
Agora posso professar o indizível
Costurar o incosturável
Atrair o espanto, celebrar o sol

Meu trigo selvagem cresce todo dia
Sou convocado por uma insana compulsão
De me expor inteiro para os indiferentes
De publicar memórias em pílulas amargas
De abrir os braços para o que foi embora

Deveria deixar tudo a cargo dos experts
Que com expertise comprovariam espertezas
Sem jamais compartilhar suas divindades
Eles poderiam continuar impunes até o final
Formando opiniões como se fossem faraós

Sou o excluído além das teses, a impávida chama
de dizer verdades vindas das estrelas
Tanto lutaram para tanto que aqui estamos
Efeito colateral de um acordo entre facínoras
A mirar no alvo das mentiras elegantes

Somos a luta contra falsos gênios e ladrões do talento
O que eles ostentam, em nós sobrou e virou lixo
Temos algo mais valioso, palavras cultivadas no horizonte
na preguiça ancestral contra religiões de espuma
Somos os fundamentalistas da falta de estilo

Estamos atentos para os crimes contra nosso canto
Se nos proibirem de falar sairemos como rebanhos
soltos no campo a devorar a idade dos tiranos
Pois agora em que somos livres para errar
Não vamos voltar à estupidez das estufas

Queremos ser uma avalanche soterrando o Olimpo
Onde compartilham a ambrosia do silêncio
Enquanto vomitam jargões do ventre da violência
Tão brilhantes que parecem diamantes lapidados
Que formam catedrais onde todos devem ir rezar

Pois sou o herege, o cara mau que invade a cerimônia
Interrompo o sermão bordado a ouro, esse latim finório
Trago o patuá sem brilho, gírias do medo, a dor de ser outro
Sei que jamais vão dizer: eis alguém que mereça ser ouvido
Por isso grito e parto os vitrais com a brutalidade do carisma

Serei esquecido e minha vingança é a minha presença
A que acossa os mandarins, e sobe nas torres de marfim
Sou uma academia de equívocos, antologia de flores duras
Não tenho perfume, apenas a potência do que digo ao coração
Porque tenho um coração, mas dispenso o amor entre as ruínas

Vai, cala meu gesto, me chama do que não deveria ter nascido
Assim mesmo medrarei como plantas em megalópoles tétricas
Atrairei pássaros do deserto, que sobreviveram comendo cactos
Trarei besouros improváveis, lagartos de cal, mortas borboletas
Troféus que ofereço de pé, porque eu sim sou o herói da lenda

RETORNO - Imagem desta edição: Ogro, obra de Ricky Bols.

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