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10 de outubro de 2009

OS GAFANHOTOS MENTAIS


Nei Duclós (*)

Vivemos a era dos gafanhotos mentais. Nada medra sob o império dessas criaturas. Estão por toda parte, na faina perene de desbastar suas vítimas: na política, na educação, na mídia, no ambiente de trabalho, nos produtos culturais, nos apelos. O pior de tudo é que são mutantes. Eles se transformam, usam caras novas, adquirem outros hábitos, disfarçam a voz e podem até fazer favores, para não nos assustar, ou ficar do nosso lado, sintonizados com nossas críticas. Quem poderia identificá-los se são, por natureza, inocentes?

A praga ajuda a condenar os políticos para substituí-los. Se a colheita sofre a voragem de determinado grupo, a oposição toma conta dos canais da indignação para criar a ilusão de que “tudo isso que aí está” vai sumir, desde que assuma o poder. Mas não é só na política que o fenômeno se alastra. Ele não se limita aos cargos eletivos ou comissionados, mas pode estar à espera numa emergência, por exemplo.

A indiferença é moeda corrente em lugares onde as pessoas urram de dor e sentem que o futuro imediato de suas vidas é a temida fase terminal. Assim, a esperança de cidadania quebra a cara num momento culminante, que seria o último reduto dos direitos, já que na vida normal ela simplesmente não existe. Você também não pode exibir desespero diante dos infalíveis responsáveis pelo seu destino, pois terá sua sanidade mental colocada em observação.

Como o bom boi não berra, como diz o antigo ditado popular, vemos que nossa vida animal aos poucos se transforma em vegetal. Levantamos nossas pétalas para o alto, já que a fé é o único passaporte para as soluções mais simples, apartados que estamos de providências terrenas com um mínimo de eficiência. Vergamos nossas hastes por qualquer brisa. Sabemos que a tentativa de manter o prumo será punida com a quebra de toda a resistência. Confiamos ainda nas raízes, mas estas estão sendo desmoralizadas.

Há sinais evidentes de que os gafanhotos mentais estão comendo a semente outrora generosa da nacionalidade. O Brasil é hoje um mosaico de etnias e regionalismos e o brasileiro o mais vil dos habitantes sobre a terra. Qualquer evento promovido pelos ideólogos que tomaram o poder nos últimos vinte anos enriquece o acervo de desprezo ao Brasil, terra de onde todos querem escapar. Não se costuma identificar a tragédia como sendo obra dos gafanhotos mentais, que desde cedo determinam aos rebentos as provas irrefutáveis dessa mentira chamada grandeza do Brasil.

Como não há motivos para a autoestima, confundida, de propósito, com ufanismo, então a solução é sair aprontando. As transgressões violentas se manifestam antes da puberdade. Motivos sobram para atacar tudo o que for identificado com a nação, desde o adulto mais próximo até o professor. E até mesmo afastar o governante honesto que conseguiu romper a barreira do crime organizado em que se transformou parte do sistema responsável pelos rumos da nação, como não cansam de denunciar o Ministério Público, a imprensa e inúmeras testemunhas.

Na cultura, a barbárie come solta por meio do plágio, do crédito falso atribuído a autores notórios, da imposição de nomes recorrentes nas premiações. Medra no rodízio carimbado em instituições e fóruns, nos debates onde o objetivo é atingir a região abaixo da cintura, nos comentários preguiçosos, nos blogs oportunistas, nos editoriais vendidos, nas reportagens corporativas.

Mas o ruído, a cacofonia invasiva, é a principal arma dos gafanhotos mentais. Com sua algaravia, eles são capazes de interromper todos os pensamentos, deixando assim espaço livre para a penetração surda das vontades geradas pelo espírito de porco. E se você pedir que abaixem o som, eles aumentam. Se sugerir que não usem a serra elétrica às duas da manhã, argumentam que podem muito bem usá-la às três, qual horário você prefere? Se demonstrar alguma impaciência diante do buzinaço, receberá em troca o gesto obsceno, quando não a cusparada e até mesmo o tiro.

Os gafanhotos mentais, quando veem o resultado de sua obra, o imaginário doentio da terra arrasada, partem para a ignorância. Sempre haverá carne nova para alimentar os torpes torturadores desta época de provações.

RETORNO - (*) Crônica publicada neste fim-de-semana na revista Donna DC, do Diário Catarinense. A ilustração, publicada originalmente na revista impressa, é de Lucas Neumann. Trabalho magnífico: notem o formato dos pedaços de folha carregados e devorados pelos gafanhotos - todos são mapas, ou do Brasil, ou de alguns estados brasileiros. Na página inteira que a crônica ocupa no jornal impresso, os vários momentos da ilustração ocupam as margens, com destaque, deixando essa referência ainda mais explícita. Muita técnica e muito talento. Parabéns ao Lucas!

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