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19 de outubro de 2009
HORÁRIO DE VERÃO
Nei Duclós
O horário de verão significa que você não pode responder a uma pergunta simples: que horas são? Trata-se da ruptura do último consenso civilizado, o tempo. Porque na Biblia diz que há um tempo de nascer e outro de morrer; tempo de plantar e de arrancar, de derrubar e construir, mas o burocrata de energia diz: certo, mas adiante seu relógio. Ou seja, há um tempo para cada coisa, desde que seja 60 minutos mais tarde. Resultado: tudo se desfaz, pois não se pode confiar em mais nada.
O horário de verão é quando você acorda de tarde e dorme na hora de trabalhar, como um guarda noturno, que é uma profissão sem noção do horário normal. É como se alguém nos contratasse para dormir de cortinas fechadas durante o dia. Ou acordar quando chove e faz frio às três da matina e já passa da hora de bater o ponto. Você perde no mínimo uma hora por dia e a confusão produz problemas perenes. Por exemplo: o meio-dia jamais chega. Ou passa lotado, sem que ninguém perceba, depressa como um ônibus executivo, que te deixa na mão na hora do rush, bem na véspera do feriadão e você tem hora certa para chegar ao aeroporto. E quando chega, se chega, descobre que perdeu o avião porque seu horário, por ser de verão, foi na semana passada.
O grande problema de punir os responsáveis é que jamais saberemos quando é seis horas da tarde de verdade, pois é nesse momento em que devemos acionar a cadeira elétrica. Ou seria às seis da manhã? Não, seis da manhã é a forca. A cadeira elétrica tem que ser às seis da tarde, porque no horário normal são cinco horas e isso economiza energia. Ou então a execução deve ser às 12 em ponto, quando os ponteiros rezam por não saberem onde estão. Não se pode marcar um duelo com um sujeito se não acertarmos antes os relógios. Imaginem uma força multinacional na hora do ataque. Acertem os ponteiros, dirá o chefe, que é americano. Certo, responderá o chinês, que topa qualquer parada. Calma lá, dirá o soldado raso brasileiro, eu só posso ir nesse mesmo horário, mas uma hora depois! Na minha terra é horário de verão!
Uma das coisas mais desagradáveis é o fim do expediente com o sol a pino, esbravejando na sua cuca e você não consegue engatar na tranqüilidade da happy hour. Fica chato beber quando todo mundo está fazendo exercício para manter a forma. Então você deixa de lado a cerveja e vai correr para matar o tempo, pois tem ainda uma semana até o anoitecer. E quando ele vem, já é de manhã.
Uma das justificativas é que o horário de verão economiza 0,0000001 % da energia dispendida pelo pêndulo do relógio cuco e por isso vale muito a pena. Parece que faz bem para a lavoura de amendoim e ajuda a erradicar os besouros ruivos do Acre. A defasagem do fuso horário dentro do país se transforma num pesadelo.Um dia viajei em dezembro para Campo Grande às dez da noite e cheguei às quatro da tarde do dia anterior. Ninguém me aguardava no aeroporto, porque as pessoas estavam agendadas para fevereiro, quando a soma das horas perdidas poderia ser compensada sem muitos aborrecimentos na espera.
Para mim, tudo não passa de soberba. Os caras estão no poder e acham que podem fazer chover. Por isso mandam todo mundo jogar o relógio no lixo, adiar compromissos, chegar atrasado ou cedo demais, tudo em função de uma coisa marota e óbvia: os sujeitos que inventaram isso estão se lixando para o tempo. Chegam e saem a hora que querem. E quando perguntamos as horas eles dizem: sei lá. Ou melhor: são vinte para agora mais. Faltam dez para daqui a pouco. As mesmas de ontem a essa hora. E saem rindo da tua cara.
RETORNO - 1. Imagem desta edição: obra de Salvador Dali.2. Magistral Mario Vargas Llosa sobre Polanski, Mitterrand e Berlusconi. A elegância do texto de mãos dadas com a contudência, a ironia e erudição de um grande talento.
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