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1 de setembro de 2009
ÁLIBIS
Nei Duclós (*)
Inocência se comprova com o álibi, a evidência comprovada de que o crime pertence a outra autoria. Mas esse é o topo do gênero. O que mais temos são os álibis diários para nos defender dos sucessivos ataques. Para demonstrar aplicação no trabalho, você anda rápido, por exemplo. Isso o livra de acusações dos adversários. Como você nunca lava as panelas, aproveite a saída do pessoal para dar uma tapeada e anunciar na volta: “Fiz o grosso”, maneira torpe de admitir que deixou a maior parte do serviço para quem chega da rua, à beira da exaustão.
Como os criminosos são presos e logo em seguida soltos, ou matam dando tiro na cabeça e pelas costas e acabam beneficiados por recursos judiciais, os álibis mais sérios perderam a validade. Se hoje é possível cometer crime hediondo sem ter de pagar por isso, então para que justificativas? Como foi para o ralo a embocadura do álibi, hoje ele serve para qualquer contratempo. “Nunca contratei parentes” é um expediente usado a partir dessa desmoralização, principalmente quando existem gravações explícitas escancarando o contrário.
Quando cometemos algum deslize, elaboramos o álibi até chegar à perfeição. Pode acontecer com qualquer um. Vamos imaginar que houve alguma tragédia e você conseguiu se safar a tempo, deixando de lado os companheiros de infortúnio. O que dizer lá em casa? “Ouvi os gritos, mas não sabiam onde eles estavam” é uma boa desculpa. “Quando fiquei a salvo, desmaiei” é outra, mas essa precisa de alguém no apoio. E quando o álibi exige ajuda externa para ter credibilidade, corre o risco de fazer água. “Tive medo de morrer”, seria a resposta correta. “Podia tentar, mas seria um grande risco para mim”. O problema é que a verdade costuma ficar de lado.
Com o tempo, o crime que não cometemos, mas que poderia ter sido evitado, vira um gigante na nossa porta. Ele pede comida e água para silenciar sobre o que sabe e não há como alimentá-lo. Então ele se deita, enorme e toma conta da rua, da cidade, do país, do mundo. Você perde o direito de emigrar, fugir. O único desfecho é sentar ao seu lado e discutir a relação. “Meu álibi era ruim”, você dirá. “Mas não tive culpa”. Ao que o gigante concordará, sorvendo um tonel de feijão preto preparado na cozinha do remorso.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 1º de setembro de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: Gulliver. 3. Meu ensaio Sereias de dois mundos, sobre as relações com o mito das sereias em livros de Mempo Giardinelli e Giusepp Lampedusa, publicado originalmente no caderno Cultura, do DC, aqui no Diário da Fonte e no meu site, agora está com destaque na prestigiada revista Cronopios.
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