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21 de julho de 2009

A PIOR MEDICINA


Nei Duclós (*)

O efeito colateral faz parte da medicina invasiva. Funciona como um dominó. Quando queremos acertar um lado, o outro se manifesta. Deixar como está, na maioria dos casos, leva a mais desastre. Não há saída. Seres datados, nosso destino é nunca ficar pronto, até o desenlace. Ainda mais quando contamos com um sistema de saúde voltado para a eliminação dos necessitados.

O noticiário está cheio de casos parecidos. Ficar no corredor virou privilégio. Bater em portas de hospitais lotados parece ser comum no país que gasta mal e errado, quando poderia investir em serviços essenciais. Mas esses só são lembrados em campanhas eleitorais. As soluções ficam sempre para o próximo mandato.

É a história da cenoura amarrada na frente do burro. A promessa confisca o voto, investido numa ilusão, a de termos acesso ao que nos falta. Quando nos damos conta, voltamos ao ponto de partida. Rodamos para movimentar o moinho dos custos oficiais, cada vez mais vorazes. “Mientras tanto”, como dizem os hispânicos, a infra-estrutura aguarda providências da política envolvida com a lavagem eterna e recorrente de roupa suja. Dinheiro vai para castelo falso, mas com despesas reais, promovidas por castelões impunes.

Como não se criam soluções, os problemas se acumulam e acabam sendo adaptados pelos porta-vozes oficiais. A gripe mortal vira gripe comum, a dengue some do noticiário, o câncer devasta mais do que bomba nuclear, mas tudo isso é considerado normal. Endemias antigas, como hanseníase, mal de chagas, febre amarela unem-se às emergentes e voltam com tudo, já que a cidadania abandonada é o repasto ideal para as criaturas invisíveis do planeta hostil.

É como se estivéssemos sobrando e sofrendo os efeitos de uma conclusão perversa, a de que o excesso de população incomoda quem está no topo da pirâmide. Há escravos demais, mesmo aquela porção de consumidores primitivos, a que deve por duas vidas por comprar móveis podres, que são levados na primeira enchente. Para que salvar gente, se os recursos cumprem objetivos nobres, como financiar a vagabundagem bem posta, que vive de renda suspeita?

Erra quem insiste nessa tecla. As palavras também adoeceram. E são tratadas pela pior medicina: a indiferença.

RETORNO - (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 21 de julho de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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