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13 de junho de 2009
VAMOS DANÇAR?
Nei Duclós
Alto demais para idade, pé 44 antes da hora, calça quase de pular sanga com bainha italiana, casaco apertado de cor diferente, meia branca, cocoruto pelado saltando dele um pelincho, gomina Glostora no topete, nada disso importava. O baile ou a reunião dançante eram eventos democráticos. Você poderia tentar tirar para o meio do salão a musa do colégio do Horto, o das gurias. Ela até poderia rir, mas pelo menos uma volta dava com você, que teria assunto para mais de um mês, só para falar do cheiro dela, dos passos que se desencontraram e, milagre, dos corpos que se entenderam desde o primeiro acorde. Poderia virar namoro. Naquele tempo, o coração agüentava.
Era bem mais prático do que a atual balada, onde a abordagem é mais complicada, pois não se tira alguém para dançar, nem existe espaço para o bate-coxa. É cada um por si na geléia geral das mãos ao alto. Há êxtase antes da hora, e não um ritual mais apropriado à realidade emocional, ou seja, a timidez, a natural distância entre pessoas desconhecidas e de sexos diferentes. Tem que ser aceito na mesa onde ela se encontra e é constrangedor se acomodar numa roda que não lhe pertence.
A dança, ao contrário, não era coletiva e sim exclusiva a dois. Falando claro: dava para agarrar a moça no primeiro segundo e todo mundo achava natural. Era assim que se dançava. Algum acontecimento sinistro fez com que os casais se desgrudassem na hora do bem bom e hoje o que existe é exibicionismo individualista expresso em passos redundantes, mas com pose de originais. Dois para lá e dois para cá eram o cúmulo da sofisticação. Bem melhor do que dois mil para qualquer lado.
Havia um ranking de tempo que revelava sua performance com elas. Se pediam licença só aí pela quarta música, era um feito. Se ela quisesse ficar contigo o baile inteiro, já era quase um noivado. Mas o mais difícil era a conversa. No fundo, o agarro não definia o laço na prenda e sim a conversa, mistura de sinceridade com estratégia. Você não poderia improvisar tudo, mas também não podia cair nas armadilhas dos lugares comuns como “vem sempre por aqui?”. Essas coisas podem provocar gargalhada hoje, época da gravidez precoce e da ficaria geral. Mas aproximar-se de alguém era bem penoso.
Havia olheiros, testemunhas, guardas. Irmãos, que você, se fosse folgado e garantido por algum grandalhão ou turma de meliantes, poderia chamar de cunhados. Pais: senhoras de coque alto e colar de falsas pérolas, sisudas como seus consortes; senhores barrigudos e com uma perna de lado, para dar espaço para algum trabuco. E amigas, as arroz de festa que estragavam tudo arrastando o objeto de desejo para longe.
Outro lugar de caça para incompetentes no namoro como eu era a praça. No fute, as gurias olhando para os caras encostados nos automóveis (nós, os abombados de plantão) pediam acompanhamento. Um flerte na praça poderia evoluir para um aperto de coração apressado e um calor nos lugares certos. Havia mais emoção do que simplesmente passar a noite olhando para as gatas sem poder chegar, porque não existe nada organizado.
Vejo as matérias e todas se queixam de que falta homem sério na balada. Não pode haver gente séria num evento que não é sério. O baile era a ponte entre os gêneros consentida, onde se encaminhavam os relacionamentos duradouros. Havia, claro, os lances de fugir para o carro ou um hotelzinho barato. Mas o grosso da tropa obedecia aos trâmites legais. Um bate-coxa básico poderia evoluir para o namoro no portão, depois uns agarros no sofá e finalmente o casamento com o 38 encostado na nuca. Coisa civilizada.
Hoje o pessoal engravida e fica tudo por isso mesmo. Sai até casamento, mas não dura, pelo que vejo nas reportagens (posso estar enganado). É preciso que haja algumas barreiras para a coisa dar certo. A falsa liberalidade no fundo é prisão. A organização antiga, tida como um cárcere, revela-se hoje, vista à distância, como fruto de uma longa elaboração. Foram muitas gerações até se chegar à solução que encontramos na adolescência. Mas achamos que estava tudo errado e explodimos tudo. Não deu certo.
É por isso que minha mãe gostava de mostrar as fotos do filho poeta revolucionário envergando um smoking caprichado, nos bailes de gala, e de cabelo curto. Dizia: “Esse é o guri que eu criei, diferente do cabeludo que vocês conhecem”. Mãe sabe tudo.
RETORNO - A imagem desta edição tirei daqui.
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