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27 de junho de 2009

ÚLTIMO DESEJO


Nei Duclós

O poema como última trincheira
como um aceno de luz, uma bandeira
quebrada aos pés

O poema no último
momento
antes da gravata e o juramento

O poema no último trem
na plataforma escura
(dentro, teu coração
pede alguma coisa
e tens apenas um papel dobrado
e uma caneta)

O poema um dia antes
do teu desmaiar
entre a tormenta

Sentado, escreves,
teu último desejo
enquanto o coração é jogado
fora da janela
como um copo de plástico

RETORNO - 1. Poema do livro No Mar, Veremos (Editora Globo, 2001). 2. Imagem desta edição: cena do filme Brief Encounter, de David Lean.

EXTRA: CRÍTICA LITERÁRIA SURTADA

Manuel Bandeira, sabe o que é? Segundo Naomi Jaffe, em texto na Ilustrada deste sábado na Folha, trata-se de “nosso maior poeta menor”. A explicação é ainda melhor do que a definição: “ Bandeira, o autor homenageado da 7º Flip, é menor - menor porque seu corte, sua entrada na vida, é feito por portinholas, e porque sua palavra vem do húmus, da terra da língua.”

Acho fantástico o Manuel Bandeira ser considerado "menor", entrando na vida por portinholas e, tão elegante e civilizado, tão rompedor de paradigmas poéticos, ter sua palavra vinda do húmus, da terra da língua. Da lama, se entendi bem. Iria sujar o terno de linho branco! O poeta era um mestre do deboche, um gênio lírico, um monstro no domínio da linguagem falada ou culta, entre muitas outras coisas. Jamais poderá menor, a não ser que seja visto pela idiotia bem posta.

Acho que os críticos enfim surtaram de vez. Em outro artigo da mesma edição, Antonio Cícero pontua um monte de insights definitivos com muletas variadas que seriam erradicadas no mais simplório copy, como de fato, na verdade, no fundo, com isso, uma vez que. Sem falar em construções verbais horrendas, como a que abre o texto: “É comum o pressuposto de que.”

Um troço tosco desses precisa de muita falsa erudição para se afirmar, como o anacronismo, pois o articulista levanta a hipótese de que a autonomia da arte seria vista como um fenômeno moderno. Na-na-não, avisa, os antigos também tinham essa percepção. Ora, cate-se.

O defecho do artigo é soberbo: “Se, como diz Goethe, os gregos sonharam mais esplendidamente o sonho da vida é porque - agora sou eu que o digo - sonharam sonhos de poetas e não de profetas, pastores ou sacerdotes.” Agora é ele que o diz! É isso que dá incensar alguém que se instaura como o inteletual da poesia, se transforma em pauta obrigatória de caderninhos culturais, e acaba por ocupar vasto espaço para pontificar sobre a coisa como um todo. Vira uma espécie de Goethe de ocasião.

Como ninguém fala nada, eles vão escrevendo essas coisas. É como a roupa invisível do rei. Qualquer criança sabe que os alfaiates espertalhões, que nada sabem, enganam todo mundo com firulas.

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