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3 de junho de 2009
O MERGULHO DO VÔO
Nei Duclós
Num acidente, tragédia, catástrofe, a primeira vítima é a linguagem. Como escrevem mal os jornalistas das hard news! Isso seria frivolidade diante do luto, o desespero, a perda? Não, seria a parte que nos toca, a dos mídia. Primeiro, algumas considerações:
- Talvez milhões de vezes por dia a tripulação dos vôos repete que no caso de pouso na água a poltrona flutua. Foi a primeira coisa que apareceu nas buscas: uma poltrona flutuante! Vazia, naturalmente. Por que perdem tempo dizendo essas bobagens?
- Nesta época de twitter, internet, blogs, microblogs, tv digital, celular, e que sei eu mais, o furo foi dado por um bom e velho radioamador, que descobriu a conversa entre pilotos da FAB. Eles faziam a varredura e diziam ter encontrado algo. O radioamador deu imediatamente a notícia. Nada fica obsoleto, tudo é soma.
- Os franceses deram um banho de procedimentos corretos. Jogaram pesado. Foram totalmente transparentes com os parentes das vítimas, que souberam de tudo o que ocorria antes de qualquer novidade chegar à mídia, evitando assim surpresas. O presidente francês foi imediatamente para o aeroporto. O maior número de vitimas era de brasileiros. Nós, fomos a reboque, capitaneados por aquele que fez questão de dizer que não sabia o que dizer. Há vaga de ghost writer no Planalto.
- Já perguntaram mil vezes. Se avião não foi feito para bater, já que se desmancha no primeiro crash (até um pássaro na turbina é capaz de causar estrago) porque não fabricam aviões com o material da caixa preta? Ok, deve ser pesado. Mas não pensam nisso? Em alguma blindagem? Destroços de avião lembram pedaços de papelão.
O ACIDENTE E A MISÉRIA DA LINGUAGEM
Vamos pegar uma nota da Folha de S. Paulo que tem como titulo “Governo francês minimiza mas não descarta possibilidade de atentado contra Airbus”. Você alguma vez minimizou sem descartar? A série de verbos usados diz tudo sobre a capacidade claudicante de dar uma notícia simples, direta, limpa. Além do já clássico “minimiza mas não descarta” temos aos potes “considerou, não se pode dizer, se deva, insistiu, não se pode excluir, precisou, corrobore, não seja possível, comentou, destacou, antes de acrescentar, reiterou, assegurou”.
Na linha fina, logo abaixo do título: “Secretário de Transportes considerou que tese de queda ter sido causada por raio é incompleta”. É dose “tese de queda ter sido causada”. O pessoal não tem mais ouvido. Destruíram a melodia, a harmonia, os arranjos e puseram no lugar o baticum e o vibrato interminável da pop musica (aquele esganiçamento sem fim, que vibra). O resultado fica claro no texto. Não se atenta mais para a música do encadeamento das palavras. “Raio como causa do acidente não convence Secretário dos Transportes” seria uma forma mais amena, direta, sonora.
Continua a matéria: “O governo francês ressaltou nesta terça-feira que não se pode dizer que o desaparecimento do avião da Air France, ocorrido na segunda-feira, se deva a um atentado terrorista. Insistiu, porém, em que também não se pode excluir essa hipótese.” Ou seja, não se pode dizer e ao mesmo tempo insistiu. Onde estão esses jornalistas com a cabeça? A falta de sentido desse trecho tem a ver com a incapacidade absoluta diante das palavras. “Atentado terrorista é considerado improvável, mas essa é uma hipótese que não pode ser totalmente descartada, segundo o governo francês” ficaria muito melhor.
Mais do mesmo: “O ministro da Defesa, Hervé Morin, precisou à emissora de rádio Europe 1 que por enquanto não há ´nenhum elemento` que corrobore esta hipótese como a causa do acidente, embora ´por definição` não seja possível excluí-la.” Meu Deus, corrobore! Você já corroborou alguma vez, não corroborou? Eu jamais corroborei o que quer que fosse. Corroborar hipótese é de lascar. Sobre o sentido do trecho: tudo é improvável, mas o ministro “precisou” à emissora de rádio. Que coisa precisa! O que precisa é um pouco de formação escolar.
Mais não digo porque até aqui já trabalhei de graça o que chega. E não me venham dizer que é preciosismo caprichar em textos pontuais, urgentes. Besteira. Quem sabe escrever desova num jato o texto certo. Quem não sabe, como é o caso aqui, cai em todas as armadilhas. Vão corroborar a hipótese numa tuna.
TODA VIDA EM QUINZE MINUTOS
Sorte que a Folha tem Ruy Castro, que nesta quarta-feira publicou o texto “Quatorze minutos de eternidade”. Achei que Ruy iria se referir ao filme de 1953, Toda Vida em 15 minutos, do Pereira Dias (que mais tarde filmou o Teixeirinha), com Mara Rubia, Renata Fronzi, Rodolfo Arena e Jardel Filho, entre outros. Lembro que fiquei bem impactado com este filme. Mas não foi isso o que aconteceu. Ruy não citou o filme. Talvez esteja enterrado demais na memória.
Vamos aos primeiros parágrafos de Ruy, para esclarecer o assunto: “Entre a hora presumida de entrada do Airbus A330 da Air France na zona de turbulência sobre o Atlântico e a última mensagem enviada pelo equipamento do avião, na noite de domingo, passaram-se 14 minutos. Se fosse só isso, já seria aterrorizante. Mas o tempo de apreensão, angústia e pavor a bordo pode ter sido ainda maior para os 228 passageiros e tripulantes. É tempo de sobra para que, diante da iminência de morte, a vida -tudo que se fez e se disse, ou o que deixou de ser feito ou ser dito- passe várias vezes pela cabeça de uma pessoa, com uma definição de cinema. E com uma crueldade de Juízo Final, porque não há mais tempo para dizer ou fazer o que faltou.”
É exatamente isso o que acontece no filme. A câmara dá um close em cada passageiro, que faz um balanço de sua vida. Trata-se de uma refilmagem, com boas mudanças e adaptações, de Phone Call from a Stranger (1952), de Jean Negulesco, escrito por Nunnally Johnson e I.A.R. Wylie, segundo o site IMDB, e que tem Bette Davis e Shelley Winters no elenco.
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