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5 de maio de 2009
MEDOS
Nei Duclós
Tive um sonho “real” quando criança: caía dentro de um poço, ficava com a borda, onde me segurava, na altura do pescoço e aos poucos ia escorregando. Minhas irmãs corriam para me socorrer, mas meu corpo descia até o fundo e eu morria de verdade. Por muito tempo, fiquei invocado com o fato de estar vivo depois de ter acabado assim de maneira tão definitiva.
Minha segunda grande experiência com o terror foi algo que alguém me disse: que a polícia enterrava as pessoas vivas! Eu não conseguia ficar tranqüilo quando via um jipe cheio de policiais. Eles, claro, se dirigiam a um local deserto onde colocavam gente ainda respirando e cobriam tudo com terra. Houve também a visão assustadora do mendigo que um dia amanheceu na porta da minha casa. Entre inúmeras trouxas, ele carregava um pequeno sino que, diziam, era uma ferramenta que triturava crianças desobedientes ou simplesmente curiosas. .
Minha rua, sempre cheia de ruídos provocados pela molecada, tinha momentos de intenso silêncio quando alguém anunciava a proximidade do Louco, um cara calado, sinistro e mal encarado, não muito mais velho do que nós, mas que guardava facas na cintura e jogava pedras enormes nas cabeças dos outros. Era também uma fera, imbatível nos socos, mordidas, pontapés. Era capaz de matar, diziam.
Na escuridão das madrugadas, quando voltava altas horas na época de adolescente, eu escolhia o meio da rua onde me sentia mais seguro, pois, rente às calçadas, sombras guardavam lobisomens de tocaia e o reflexo da lua no perfil das casas assombrava as estrelas com acenos de cemitério. Antes de me mudar para a capital, soube do caso do espião russo, fantasiado de trapeira, que por rádio transmitia informações valiosas sobre a fronteira para além da Cortina de Ferro.
Um dos tormentos mais recorrentes era a ameaça de colegas para me pegar na saída do colégio. Sempre tive pavor de brigas e o único soco que acertei num sujeito me encheu de remorso por longos anos. Depois vieram os medos da vida adulta: da ditadura, do desemprego, dos assaltos, das doenças, das pandemias. Mas nenhum deles se compara aos calafrios da infância, quando estamos perto demais da fonte misteriosa que nos trouxe ao mundo.
RETORNO - 1. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 5 de maio de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Escrevi recentemente o seguinte: "Sabiam que o Brasil é o país que tem mais "patrimônios da humanidade"? Daqui a pouco, todo o território nacional será tombado em nome do Al Gore". Não deu outra: ontem vi na TV um súcia de entreguistas sorridentes lançando a campanha para tombar todo o Rio de Janeiro, capital do Brasil soberano, como patrimônio da humanidade.
3. É bom lembrar Miécio Caffé, o artista e colecionador de música brasileira, que morreu aos 82 anos, em março de 2003: "Qualquer trabalho meu é o Brasil. Ao fazer uma caricatura, meu processo é o de extrair a alma do caricaturado. Tudo o que eu faço é Brasil. Foi por isso que recusei o convite de Walt Disney para ir à América."4. Imagem desta edição: Garrincha segundo Miécio Caffé, que foi o primeiro a fazer as caricaturas não só de Garrincha, mas também de Pelé.
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