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20 de maio de 2009

HÁ TEMPOS


Nei Duclós (*)

Quando querem se referir a um tempo muito antigo, falam em anos 80. Acho graça. Anos 80 foi hoje de manhã. Certa vez, interrompi um colega veterano que contava histórias para uma estagiária sobre algo que ele viveu nos anos 50. Não assuste a garota, disse. Anos 50 estão nos livros de História. Não é algo que possa ter testemunhas ainda vivas.

Quando surgiu o disco flexível não formatado, eu acumulava umas quatro décadas de vida. Lembro como os técnicos faziam mistérios e se encerravam na sala para depois vir com a prenda na mão, toda formatada. Um dia fui ver o que faziam. Eles sentavam em frente ao micro e teclavam: format! Estava feito. Hoje, em que o disco móvel sumiu, assim como sumirá o rígido, isso tudo parece da época dos dinossauros. É que ninguém atina em algo antigo e que se diferencie da época do pince-nez e da palmatória.

Pois há uma quadra de tempo não totalmente coberta, fora do século 19, que vai dos anos 40 até o fatídico 1964. Fora da mitologia dos chamados anos dourados, de que tanto falam. Passado é um assunto complicado, pois todo mundo é especialista em memória e parece que tudo já foi esquadrinhado nos mínimos detalhes. Discordo. Vivência e lembranças são regidas pela teoria do caos e nem com algoritmos de última geração poderemos enquadrá-las.

O Mundo Perdido inclui sapato branco-e-marrom, terno de linho branco, chapéu de feltro, linha enredada na beira do rio, caverna feita de vários pés de umbu encordoados, uma gruta fora da cidade, calça curta, gomina no topete, conjunto Hi-Fi, pandorga com roncador, campeira preta, boina, pesca de piava com caniço, dunas gigantescas na beira da praia, ondas de cem metros de altura na distância de um braço.

Inclui também viagem de Candango, o jipe brasileiro com tração nas quatro rodas (apto, portanto, a enfrentar qualquer barreiro) por centenas de quilômetros de terra batida, viagem de leito no Maria Fumaça, educação física às sete da manhã, cheiro de livro novo no início do ano letivo, pua afiada no pião do adversário, pedrada na vidraça, futebol no terreno baldio ao cair da noite. Dias em que o mundo fazia sentido e a dor ainda nem era notícia do rádio, que só tocava samba, guarânia e bolero.

RETORNO - 1. Foto desta edição: meu irmão Luiz Carlos, o Lisca, quando estava no Jardim da Infância do Romaguera Correa, tradicional escola pública que ficava no centro de Uruguaiana, bem em frente à praça Barão do Rio Branco. O grande laço no pescoço, que chamamos tope, era xadrez nessa época do pré e azul quando entrávamos no Primário. A foto, provavelmente de 1951, é uma desenterrada do meu outro irmão, o Elo Ortiz, que colocou a raridade no seu espaço no Orkut. Lisca foi quem, milênios mais tarde, me apresentou para o hard disk e o disco flexível. 2. (*) Crônica publicada no dia 19 de maio de 2009 no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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