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7 de janeiro de 2009

UM GRANDE ANO


Nei Duclós (*)

Mal começou o século e já dispomos de um ano inesquecível. Trata-se de 2008. Ninguém dava nada por ele quando veio ao mundo, “tão esmirrado e chochinho”, como diria o poemeto campestre “Antonio Chimango”, de Amaro Juvenal, tantas vezes recitado por minha tia Ceci que acabei decorando algumas estrofes. Um grande ano é aquele que supera as expectativas e bota para quebrar. Mas não devemos nos seduzir pelas aparências.

Primeiro: Barak Obama. Sua eleição foi importante não pelo Hussein no sobrenome ou a cor da sua pele. Mas por ter sido uma alternativa democrata convincente ao desastre Bush. Resume as qualidades do partido que o elegeu, tão explícitas na indústria de espetáculos. Basta ver Robert Redford em Havana (1990), filme de Sidney Pollack sobre o charme do herói americano que se engaja numa luta por amor, não por convicção. Ele exibe essa natureza superior dos caras que, num meio sorriso ou enrugar de testa, provam que estão por cima da carne seca, ou seja, nada têm a ver com as besteiras que os republicanos aprontam no mundo.

O herói democrata é apresentado como a verdadeira América, a que sacode levemente a cabeça em sinal de tédio diante dos erros de seus conterrâneos. A ética dessa América que envelhece como um galã outonal jamais perde a postura de grandeza. Basta notar a finesse dos gestos, das expressões e da coreografia perfeita nas ações decisivas. Como Ricky/Bogart em Casablanca, ele é capaz de salvar o marido da mulher que ama, sem desmanchar o topete. Obama encarna essa América sempre de prontidão para ser apresentada ao mundo como o verdadeiro rosto da nação imperial. É a maneira de apagar os rastros disseminados pela incúria, a ganância e a guerra.

A chamada crise financeira também precisa de uma leitura mais atenta. O fato é que o dinheiro público manteve de pé o sistema de especulação financeira enfim desmascarado. Mas isso não tira o mérito de 2008, que borrou a maquiagem da brutalidade globalizada.

Como em 1968, manifestou-se a insurreição contra a tirania. É sempre uma batalha perdida. Mas que jamais perde o encanto, como os heróis que puxam o lenço para o mundo enxugar as lágrimas.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada dia 6 de janeiro de 2008 no caderno Variedades do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Bogart como Ricky. O que poderá o herói democrata diante das bombas de Israel na Faixa de Gaza?

BATE O BUMBO

Julio Conte publicou um post no seu blog sobre o silêncio da imprensa gaúcha em relação à prata da casa, a atriz Larissa Maciel, que interpreta Maysa na mini-série da Globo. Fiz um comentário falando na já conhecida, aqui no Diário da Fonte, Síndrome da Moita, aquele vício da mídia de enterrar o que está vivo e negar o que está explícito. Generosamente e de maneira contundente, Julio, importante e celebrado dramaturgo, diretor e ator do Rio Grande do Sul, fez novo post e disse o seguinte sobre o poeta:

"Pois recebi um comentário fantástico do Nei Duclós, grande poeta que embalou meus sonhos desde os primeiros anos de faculdade e esquina maldita. Sua poesia era lida em conspirações nos bares, depois de porres homéricos em nome de nossos sonhos de um mundo melhor e mais justo e que não abri mão até hoje. Neste contexto surgiu Outubro do Nei. A poesia que abriu a minha alma. Outubro ou nada. Acho que li o livro alguns meses depois de assistir Encouraçado Pothenkin e um trailer do Outubro num curso de cinema na Assembléia Legislativa. Era inverno, chovia muito e o calorzinho do cinema onde o Professor Cavalhares da USP (será?) mostrava e comentava filmes revelando a maravilhosa história do cinema. Foi nesta esquina (bem-dita) da minha mente que se encontraram um cara daqui de Porto Alegre, o poeta Nei, com o cineasta Eisestein. Desse casamento em dia de chuva uma luz se fez e acho que ali eu nasci de algum modo. Nasci para a sensibilidade, para a sutileza das palavras, para a arte. Imagem, palavra e poesia fizeram sentido que nunca mais me esqueci disso."

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