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2 de janeiro de 2009

OLIVEIRA SILVEIRA, POETA ( 1941 - 2009)



Nei Duclós


Assim não vale, Ano Novo. Você já começa com uma baixa, nosso querido poeta Oliveira Silveira, que conheci em 1969, quando Marco Celso Viola e eu começamos a fazer recitais de poesia no diretório acadêmico da Faculdade de Filosofia da Urgs. Ele era então um professor muito formal, usava terno, mas seu aspecto não importava, ele sempre foi assim, uma pessoa de extrema gentileza e educação. Ficávamos encantados como uma pessoa tão distinta e elegante pudesse se emocionar conosco, uns estudantes loucos e desarrumados. Descobrimos então quem era o grande poeta.

Radical e na vanguarda, Oliveira Silveira participava dos nossos recitais e deixou um legado poético importantíssimo, que será cada vez mais reconhecido. É sempre assim: o poeta precisa morrer para que lhe dêem a devida atenção. Mas Oliveira Silveira já era um poeta consagrado e, sempre muito gentil, me tratava com a maior consideração e respeito.
Quem deu a notícia foi Sidnei Schneider, de Porto Alegre. A seguir, reproduzo a mensagem do poeta Sidnei e uma autobiografia de Oliveira Silveira.

MENSAGEM DE SIDNEI SCHNEIDER

"Amigos

Sinto informar que nesse primeiro de ano, por volta das 23 horas, faleceu o poeta Oliveira Silveira (1941), no hospital Ernesto Dorneles. O poeta já vinha enfrentando dificuldades de saúde ao longo de 2008. Autor de dez livros individuais de poesia, professor formado em Letras-Francês, pesquisador das culturas negras e da história do negro brasileiro, Oliveira propôs o 20 de novembro, data evocada pelo grupo Palmares em 1971, e hoje adotada como Dia Nacional da Consciência Negra.

Conselheiro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, integrava, nesse órgão com status de ministério, o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, período 2004-2006.

Por vontade expressa do poeta, sua exéquias serão exclusivas para familiares.

Inesquecível pela poesia, luta contra a injustiça e amabilidade, Oliveira uma vez escreveu sobre uma estática foto, que pouco diz de alguém conhecido em vida, "mas quando menos se espera/ pode mudar-se em cor, em movimento,/ sorriso, voz, braços que vêm e cingem/ e nós ressuscitamos." Sim, nós é que ressucitamos com a tua contribuição. Valeu, Oliveira!

Sidnei Schneider"

"AOS 67 ANOS, MORRE O IDEALIZADOR DO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Blog Viva Verve - O professor, poeta e pesquisador gaúcho Oliveira Ferreira da Silveira morreu às 22h30min desta quinta, 1º de janeiro. Aos 67 anos, Silveira foi vítima de câncer. Ele foi um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra – 20 de novembro. A data começou a ser comemorada em 1971, com o Grupo Palmares, em Porto Alegre.
Oliveira Silveira estava internado há 15 dias no Hospital Ernesto Dornelles, em Porto Alegre. Natural de Rosário do Sul, o professor aposentado da Rede Pública de Ensino era formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com especialização em língua francesa.
Ele foi um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, nas escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo. Lutador da causa negra, muitas vezes radical, mas sempre coerente, também participou do Grupo Razão Negra, nas décadas de 70 e 80.
Oliveira Silveira deixa filha e netos. Seu corpo será cremado nesta sexta-feira em Caxias do Sul, em cerimônia reservada, sem a realização de velório.
* Informações de Leiriane Barbosa e Maria Geneci Silveira
* Fontes: Zero Hora, Portal Afro e NEAB/Udesc"
OLIVEIRA SILVEIRA por Oliveira Ferreira da Silveira
"OLIVEIRA SILVEIRA (Oliveira Ferreira da Silveira) – Poeta negro brasileiro, nascido em 1941 na área rural de Rosário do Sul, Estado do Rio Grande do Sul. Filho de Felisberto Martins Silveira, branco brasileiro de pais uruguaios, e de Anair Ferreira da Silveira, negra brasileira de cor preta, de pai e mãe negros gaúchos.

Graduado em Letras – Português e Francês com as respectivas Literaturas – pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. Docente de português e literatura no ensino médio. Atividades jornalísticas. Ativista do Movimento Negro.

Um dos criadores do Grupo Palmares, de Porto Alegre. Estudou a data e sugeriu a evocação do 20 de Novembro, lançada e implantada no Brasil pelo Grupo Palmares a contar de 1971, tornando-se Dia Nacional da Consciência Negra em 1978, denominação proposta pelo Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, MNUCDR.

Como escritor, publicou até 2005 dez títulos individuais de poesia – Pêlo escuro, Roteiro dos tantãs, Poema sobre Palmares, entre outros – e participou de antologias e coletâneas no país e no exterior: Cadernos negros, do grupo Quilombhoje, e A razão da chama, de Oswaldo de Camargo, em São Paulo-SP; Quilombo de Palavras, organização de Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa, em Salvador, na Bahia; Schwarze poesie/Poesia negra e Schwarze prosa/Prosa negra, organizadas por Moema Parente Augel e editadas na Alemanha por Édition diá em 1988 e 1993, com tradução de Johannes Augel; ou revista Callaloo volume 18, número 4, 1995, e volume 20, número 1 (estudo de Steven F. White), 1997, Virgínia, Estados Unidos.

Na imprensa, publicou artigos, reportagens, e alguns contos e crônicas. Participou com artigos ou ensaios em obras coletivas, caso do ensaio Vinte de novembro: história e conteúdo, no livro Educação e Ações Afirmativas, organizado por Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Válter Roberto Silvério – Brasília: Ministério da Educação/Inep, 2002.

Entre algumas distinções recebidas: menção honrosa da União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro, pelo livro Banzo Saudade Negra em 1969; medalha cidade de Porto Alegre, concedida pelo Executivo Municipal em 1988; medalha Mérito Cruz e Sousa, da Comissão Estadual para Celebração do Centenário de Morte de Cruz e Sousa – Florianópolis-SC, 1998; Troféu Zumbi, obra de Américo Souza, concedido pela Associação Satélite-Prontidão, da comunidade negra de Porto Alegre, 1999; Comenda Resistência Civil Escrava Anastácia, da Rua do Perdão, evento cultural negro, Porto Alegre, 1999; e Tesouro Vivo Afro-brasileiro, homenagem do II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, realizado entre 25 e 29 de agosto de 2002 na Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR, em São Carlos-SP – ato em 27 de agosto.

Atuação em outros grupos a contar de meados da década 1970: Razão Negra, Tição, Semba Arte Negra, Associação Negra de Cultura. Integrante da Comissão Gaúcha de Folclore. Conselheiro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR, integrando, nesse órgão com status de ministério, o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, órgão consultivo, período 2004-2006.

Alguns exercícios em texto teatral paradidático (cenas, montagens simples) e música popularesca. Poemas musicados por Haroldo Masi, Wado Barcellos, Aírton Pimentel, Luiz Wagner, Marco de Farias, Paulinho Romeu, Flávio Oliveira, Vera Lopes-Nina Fóla, Lessandro e, na Suécia, pela compositora Tebogo Monnakgotla."

TRECHO DE UMA ENTREVISTA
"Portal Afro – Fale-nos sobre seus livros.

Oliveira Silveira - Tenho dez títulos publicados, a maioria em antologias como "Cadernos Negros", "Axé", de Paulo Colina, "Razão da Chama" e o "Negro Escrito", ambos de Osvaldo de Camargo. Também tenho textos publicados no exterior. Na Alemanha, numa coletânea com outros autores negros brasileiros, editada no final de 1988. Nos Estados Unidos, em revistas das universidades de Virgínia e da Califórnia, juntamente com Paulo Colina, Osvaldo Camargo e outros.

Portal – Sua terra natal influenciou sua carreira? Como?

Oliveira Silveira – Sim. Isto se deu através da escola. No início estudava em casa, pois minha professora também morava no sítio. Mais tarde me transferi para Rosário e fiz o ginasial, adiante mudei para Porto Alegre, onde cursei o clássico e a faculdade.

"A literatura surgiu em minha vida na época em que ainda morava em Rosário. Minha infância foi marcada pela poesia popular, quadrinhas e versos de polca entoados durante os bailes campeiros. Ritmos típicos do meio rural gaúcho. É um momento especial, onde as mulheres tiram os homens para dançar e aí se cantam versos, o par diz uma quadrinha um para o outro, começando pelo rapaz e respondida pela moça. Também me lembro dos "causos" contados pelos mais velhos na cozinha, ao redor do fogareiro. Essas narrativas são um substrato da minha literatura."

Mais adiante tive contato com livros e comecei a escrever. Em 1958 publiquei meu primeiro poema, num jornal de Rosário. Isto foi muito importante para o início de minha carreira. A partir dos estímulos recebidos de amigos continuei a escrever poemas regionalistas, que marcam até hoje meu estilo. Não me desvinculei desta linguagem rural. Claro que depois experimentei outras tendências, até chegar na poesia negra, na medida em que me conscientizava. Esta consciência chegou bem tarde. "

DEPOIMENTO DE MARCO CELSO VIOLA
"Nei! To aqui pasmo com essa do Oliveira, que nós conhecemos desde que éramos crianças.Foi no XIXI de Março (era assim mesmo que chamavam) na Sarmento Leite, no Centro Acadêmico da Medicina-o Frankilin, estava com o problema qualquer que não poderíamos ler lá os nossos poemas, a sala do XIXI estava lotada,inclusive com os policiais de sempre- era agosto de 1969- 40 anos atrás- eu li um poema que usava como epígrafe um verso de Leopoldo Sanghor, quando alguém no fundo da sala, com uma voz grave me corrigiu, e a partir dali esteve presente em várias etapas da minha vida, Oliveira Silveira.Ele sempre foi maior do que aparentava. Foi porta-bandeira numa clara manhã de carnaval. Esteve conosco no Porto Poesia 1 e 2. Oliveira, um grande abraço de coração.Marco Celso H Viola."

ALGUNS POEMAS DE OLIVEIRA SILVEIRA

"MÃO-DE-PILÃO

Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
Mão-de-pilão.

Longe que é, longe que fica
e a mão-de-pilão esmurrando a cangica.
Longe que é, longe que fica
e a mão-de-pilão tocando cuíca.

Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
mão-de-pilão.

Socando, socando aos sol da manhã,
o eco na serra parece tantã.
Bate, bate... pra quê bate tanto?
Longe tão longe que não adianta.

Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
mão-de-pilão.

O MURO

eu bato contra o muro
duro
esfolo minhas mãos no muro
tento longe o salto e pulo
dou nas paredes do muro
duro
não desisto de forçá-lo
hei de encontrar um furo
por onde ultrapassá-lo

TRANSMISSÃO

Querem que a gente saiba
que eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Por isso te repito:
eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Eu disse fomos.

NEGRINHO

Um naco de fumo escuro
negrinho
da tua cor, no monturo.

Um toco de pito aceso
negrinho
cor de teu sangue indefeso.

Muito estancieiro safado
negrinho
formigueiro à beira-estrada.

Contra as manhas dessa malta
negrinho
se vai de cabeça alta.

E peço: clareia o rumo
negrinho
de teus irmãos cor de fumo."

RETORNO - Imagem desta edição: o poeta Oliveira Silveira, debruçado na janela do quarto onde viveu Mario Quintana.