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5 de dezembro de 2008

O SPARTACUS DE MIZOGUCHI


Nei Duclós

Vi O Intendente Sansho (1954), de Kenji Mizogushi, um filme sobre a luta contra a escravidão. Não sei se alguém notou, mas este filme foi completamente copiado pelos americanos em Spartacus (1960), dirigido por Stanley Kubrick e roteirizado por Dalton Trumbo. O roteiro do filme do mestre japonês é de Fuji Yahiro, que se baseou em conto publicado no início do século 20, de Ogai Mori (1862-1922), que por sua vez se inspirou no conto popular conhecido como Anju e Zushio. É difícil saber quem bolou as situações que coincidem nos dois filmes, mas o que foi feito depois se espelhou totalmente na seqüência dramática do antecessor. Quais são essas coincidências (Picasso dizia que artista rouba)?

1. A visita do representante do Império na mansão do escravista Sansho é a mesma cena da visita do potentado romano Crassus (Lawrence Olivier) à casa de Batiatus (Peter Ustinov), o proprietário da escola de gladiadores. Revela a ligação do poder imperial com o escravismo.

2. A revolta dos escravos que incendeiam a casa do Intendente é igual à cena em que os gladiadores destroem a casa de Batiatus

3. O governador bondoso em Mizoguchi é o mesmo senador interpretado por Charles Laughton: ambos libertam escravos, ambos caem em desgraça frente ao poder imperial.

4. O escravo que é obrigado a martirizar seu colega é uma situação que existe em ambos os filmes. No de Mizoguchi, é a tortura, em Spartacus é a luta de vida e morte na arena.

5. O emocionante reencontro final entre mãe e filho, no filme japonês, é reproduzido com a mesma intensidade no final do filme americano, no encontro terminal entre Spartacus crucificado e a mulher com o filho nos braços. Nas duas cenas, a mesma miséria, a mesma emoção dilacerada.

6. A família seqüestrada e dividida em Mizoguchi paira também em Spartacus, por meio da escrava interpretada por Jean Simmons e do escravo interpretado por Tony Curtis.

E daí? poderão dizer. Um é sobre a separação de um casal de filhos da mãe e outro é sobre a grande revolta dos escravos. Menos. Kubrick/Trumbo copiaram Mizogushi/Yahiro sem dó nem piedade. Encontraram no ilustre filme lançado seis anos antes as soluções que usaram até o osso. Se deram o crédito, desconheço. Uma pequena pesquisa no Google não resolve. Mas costumam moitar, por mais genais e brilhantes que sejam .

À parte isso, o filme de Mizogushi é estupendo, com cenas in esquecíveis, imagens maravilhosas, uma tensão brutal. Está nas melhores listas dos melhores filmes feitos até agora (não gosto da expressão “de todos os tempos”; não podemos falar pelo futuro). Spartacus também está entre meus filmes favoritos. Dois grandes espetáculos de artistas que provaram a escravidão (Mizoguchi teve que fazer filmes de propaganda durante a II Guerra; Douglas, que produziu Spartacus, vivia sob o tacão de Hollywood), mas dela se desvencilharam.

Houve uma época, crianças, em que a arte se insurgia e denunciava a tirania. Diferente de hoje, em que a razão cínica tudo justifica. Vejam, portanto, essas obras que são fruto da coragem, que precisa ser resgatada. Os caras estão muito mal acostumados conosco, poltrões inomináveis desta época de sombras.

RETORNO - 1. Imagem deste post: cena de O Intendente Sansho, de Kenji Migozuchi, mais um mestre do cinema. 2. Claudio Levitan informa: "PÉ DE PILÃO, ÚLTIMOS DIAS NO RENASCENÇA SÁBADO E DOMINGO 16 H - Quero reiterar o final da temporada da opereta e de um ano histórico e maravilhoso, afinal, depois de 30 anos sem desistir, conseguimos realizar o sonho de gravar as canções do PÉ DE PILÃO em cd com a história em quadrinhos (sem texto) para as crianças preencherem e se divertirem aprendendo um texto antológico do grande poeta Mario Quintana. Além disso, tem a versão ao vivo da pequena ópera para crianças de 1 a 100 anos em que, além de mim como ator, cantor e músico, tem outros quatro queridos e jovens artistas auxiliando nessa divertida empreitada". Em Porto Alegre, cidade da cultura. O Teatro Renascença é na Avenida Érico Veríssimo, 307.

BATE O BUMBO - Comentário de Adriana Godoy sobre meu ensaio A Trilogia de Máximo Górki, publicado no Digestivo Cultural: "Que análise fantástica a respeito da vida e da obra de Górki. Às vezes, nos esquecemos de gênios como ele. Esse texto nos arrebata, nos envolve e nos leva a querer rever a obra desse mestre da literatura. Parabéns!"

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