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28 de setembro de 2008

O ADEUS DO INDOMÁVEL


Em Cool Hand Luke (1967), no papel de um presidiário que se insurge contra a cadeia, Paul Newman conseguiu seu passaporte para a eternidade. Agora que não fará mais filmes, e está sendo lembrado pelo seus papéis mais afetados, como o jogador de sinuca de A cor do dinheiro, o gigolô de Gata em teto de zinco quente, o soldado de Exodus ou o bandoleiro simpático de Butch Cassidy, é melhor regular a transmissão para esta obra prima de Stuart Rosenberg, com George Kennedy como coadjuvante, fazendo papel do veterano que protege o garoto recém chegado, Newman, capaz de comer 50 ovos! De condenado a anos de prisão por ter desmontado, bêbado, alguns parquímetros na calçada, ele vira o mito rebelde que busca a liberdade de qualquer jeito e que deixa o sistema carcerário num beco sem saída: ou mata o indomável ou sucumbe com ele.

O filme é um cult. Vi quinhentas vezes. Veria mais quinhentas. Por que nos impressiona? Sem Paul Newman, sem a galeria de grandes atores, sem aquele roteiro, sem aqueles personagens, como o guarda No Eyes, sempre de óculos escuros e que era mudo e só se expressava por tiros de espingarda, ou o chefe da cadeia, interpretado por Strother Martin, que falava com voz estridente pedindo comunicação entre a direção e os apenados, ou a gostosona que se esfrega no automóvel na frente dos condenados a trabalhos forçados e que tem apenas um alfinete segurando o vestido, poderia ter sido apenas um clichê. Dias atrás vi um filme com o mesmo argumento, de um cidadão que comete crime leve e ganha pena pesada. Mas era uma porcaria.

Em Cool Hand Luke, tudo conflui para uma narrativa em favor da libertação humana diante da opressão. A interpretação perfeita desse ator de cara limpa, olhar de metal, gesto medido e carisma saindo pelo ladrão ganha o acompanhamento de uma direção segura, a narrativa enxuta e objetiva, e personagens e situações de grande complexidade e riqueza. Cool Hand Luke, que sempre esteve na rabeira dos filmes considerados, com o tempo torna-se cada vez melhor e periga, daqui a algumas décadas, se transformar no grande filme da nossa época, superando os mais famosos, soterrando todos os outros filmes de Paul Newman, pelo menos.

Não estou desfazendo do resto da carreira desse grande ator que nos deixa mais sós do que nunca. Só quero encontrar uma embocadura pessoal para abordar o grande pesar provocado por sua morte e enxergar neste filme sua performance mais perfeita, sua interpretação mais brilhante, seu personagem decididamente inesquecível. Talvez tudo o que a vida de Paul Newman quis expressar em 83 anos seja exatamente a do cara que foi ganhando cada vez mais correntes, sendo trancafiado cada vez com mais intensidade em solitárias, sendo humilhado, espezinhado, destruído de maneira total e que, assim mesmo, não se entregou e que mesmo na hora de morrer, sorrindo, escutou o barulho dos óculos escuros de No Eyes sendo quebrados.

Cool Hand Luke. Esse é o filme. Paul Newman. Esse é o cara que parte, deixando um recado libertário, longe das imposições do lugar comum e até mesmo do mercado, que tanto usufruiu do seu enorme talento.

RETORNO - Imagem de hoje: Paul Newman em "Rebeldia Indomável". As melhores cenas podem ser vistas no you tube. 2. Entre tantos destaques, um especial para Jo Van Fleet no papel da mãe de Luke. Absolutamente arrasadora, se me permitem a hipérbole. É ver e nem acreditar no que ela faz em poucos minutos. 3. Outra coisa: este filme inesquecível, como tantos outros ( Giant, Juventude Transviada, Appocalipse Now, Easy Rider etc.) TAMBÉM tem Denis Hooper. Mas que coisa impressionante, o Denis Hooper. Esteve em todos os filmes importantes em mais de 40 anos do cinema. Não é para qualquer um. Mas é batata: basta rever uma obra-prima e quem está lá, numa ponta, como coadjuvante, de qualquer jeito e forma? Ele, o Denis Hooper. Digam se estou errado. É loucura.

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