Nei Duclós (*)
Há tempos o Brasil está por um fio. A grande quantidade de eventos da violência define o perfil de uma guerra interna. Hoje sobram exemplos de assassinatos em família, entre padrastos e filhos, irmãos e irmãs, parentes próximos e distantes. Não se resolve mais os conflitos pelo diálogo por vários motivos. Um deles é porque vivemos em plena “ascensão do capitalismo de desastre”, como denuncia a jornalista canadense Naomi Klein no livro “A Doutrina do Choque” (Nova Fronteira, 590 páginas). Uma ditadura global trabalha as grandes tragédias sociais, econômicas e ambientais a favor da superconcentração de renda, a galope do sucateamento das nações. Isso tira o espaço mínimo de sobrevivência da cidadania.
O quadro é alimentado pela força, via imposição econômica e políticas maquiadas. Substituir o desenvolvimentismo dentro das fronteiras pela interdependência e a especulação financeira serviu para aplainar o terreno rumo à derrocada. Foi praticamente eliminado, em regiões periféricas, um dos instrumentos básicos, como o ensino da língua culta, longe dos maneirismos datados da gíria e das ancestralidades obsoletas dos regionalismos. É preciso que saibamos falar antes que o país seja destruído. A língua culta, disseminada em massa, contribuiria para uma ação cooperativa capaz de operar milagres.
Como está, a violência é a resposta à pobreza crescente cevada no vazio do verbo. Quando as palavras perdem o poder, parte-se para a ignorância. Uma das panacéias mais comuns é o fundamentalismo. As pessoas recorrem aos textos sagrados para encarnar o poder que não possuem. Não basta a exacerbação da espiritualidade, já que a linguagem religiosa peca pela mesmice e muitas vezes o fanatismo.
Dispomos de profundos antecedentes para esse quadro complicado. A privatização da violência está nas raízes da formação do Brasil. O senhor de engenho era obrigado, por lei, a ter determinada quantidade de pólvora e armas, tudo armazenado num depósito com dimensões definidas no papel. Como a violência não é exclusiva de um poder maior, que transcenda a todos, qualquer um se acha no direito de exercê-la. A prova são as matanças e linchamentos. Em terra de escravos, todo mundo é senhor.
Vejam no trânsito. O sujeito liga o pisca-pisca e entra, já que sua vontade é a lei. Você está numa estrada e precisa pegar à esquerda. O que vem atrás sobe na sua retaguarda como se estivesse num campo de caça. Ele não vai permitir a manobra, a não ser que a vítima jogue o carro no acostamento de maneira abrupta, para que o algoz possa passar com seu séquito de razões.
As pessoas não costumam emitir uma opinião, preferem ditar uma ordem. O dedinho levantado, o nariz empinado, o tom deliberativo compõem a reação oposta a qualquer manifestação alheia. Toda frase reativa começa invariavelmente com um “não”. Escutar é submissão, dizer é mando (por isso todos falam ao mesmo tempo, já que ninguém se submete). A violência amplia assim seu império. Como perdemos o hábito de prestar atenção nos outros, o tiroteio atinge a todos, crianças, velhos, mulheres grávidas.
Qual seria a verdadeira revolução? A paz, que só se consegue com algumas providências. Primeiro: o monopólio do exercício legal da violência por parte das instituições nacionais, sob a guarda da correção e a ética. Segundo: o fim do capitalismo de desastre e a volta da luta em favor do equilíbrio social. E terceiro: a língua comum afiada na criatividade, no conhecimento e na experiência.
Há tempos o Brasil está por um fio. A grande quantidade de eventos da violência define o perfil de uma guerra interna. Hoje sobram exemplos de assassinatos em família, entre padrastos e filhos, irmãos e irmãs, parentes próximos e distantes. Não se resolve mais os conflitos pelo diálogo por vários motivos. Um deles é porque vivemos em plena “ascensão do capitalismo de desastre”, como denuncia a jornalista canadense Naomi Klein no livro “A Doutrina do Choque” (Nova Fronteira, 590 páginas). Uma ditadura global trabalha as grandes tragédias sociais, econômicas e ambientais a favor da superconcentração de renda, a galope do sucateamento das nações. Isso tira o espaço mínimo de sobrevivência da cidadania.
O quadro é alimentado pela força, via imposição econômica e políticas maquiadas. Substituir o desenvolvimentismo dentro das fronteiras pela interdependência e a especulação financeira serviu para aplainar o terreno rumo à derrocada. Foi praticamente eliminado, em regiões periféricas, um dos instrumentos básicos, como o ensino da língua culta, longe dos maneirismos datados da gíria e das ancestralidades obsoletas dos regionalismos. É preciso que saibamos falar antes que o país seja destruído. A língua culta, disseminada em massa, contribuiria para uma ação cooperativa capaz de operar milagres.
Como está, a violência é a resposta à pobreza crescente cevada no vazio do verbo. Quando as palavras perdem o poder, parte-se para a ignorância. Uma das panacéias mais comuns é o fundamentalismo. As pessoas recorrem aos textos sagrados para encarnar o poder que não possuem. Não basta a exacerbação da espiritualidade, já que a linguagem religiosa peca pela mesmice e muitas vezes o fanatismo.
Dispomos de profundos antecedentes para esse quadro complicado. A privatização da violência está nas raízes da formação do Brasil. O senhor de engenho era obrigado, por lei, a ter determinada quantidade de pólvora e armas, tudo armazenado num depósito com dimensões definidas no papel. Como a violência não é exclusiva de um poder maior, que transcenda a todos, qualquer um se acha no direito de exercê-la. A prova são as matanças e linchamentos. Em terra de escravos, todo mundo é senhor.
Vejam no trânsito. O sujeito liga o pisca-pisca e entra, já que sua vontade é a lei. Você está numa estrada e precisa pegar à esquerda. O que vem atrás sobe na sua retaguarda como se estivesse num campo de caça. Ele não vai permitir a manobra, a não ser que a vítima jogue o carro no acostamento de maneira abrupta, para que o algoz possa passar com seu séquito de razões.
As pessoas não costumam emitir uma opinião, preferem ditar uma ordem. O dedinho levantado, o nariz empinado, o tom deliberativo compõem a reação oposta a qualquer manifestação alheia. Toda frase reativa começa invariavelmente com um “não”. Escutar é submissão, dizer é mando (por isso todos falam ao mesmo tempo, já que ninguém se submete). A violência amplia assim seu império. Como perdemos o hábito de prestar atenção nos outros, o tiroteio atinge a todos, crianças, velhos, mulheres grávidas.
Qual seria a verdadeira revolução? A paz, que só se consegue com algumas providências. Primeiro: o monopólio do exercício legal da violência por parte das instituições nacionais, sob a guarda da correção e a ética. Segundo: o fim do capitalismo de desastre e a volta da luta em favor do equilíbrio social. E terceiro: a língua comum afiada na criatividade, no conhecimento e na experiência.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 12 de agosto de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Naomi Klein, que matou a charada.
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