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22 de julho de 2008
DITADURA INFORMAL
Nei Duclós (*)
Assim como existe uma economia informal, há também um regime político por baixo do pano. Os dois sistemas se parecem, e se alimentam mutuamente. São realidades que colocam em fila, como nos pesadelos da série Matrix, toda a população conectada diretamente aos sanguessugas, enquanto vivemos um mundo de aparências, formatado pelo bombardeio pesado da nossa percepção. Isso parece uma excrescência conceitual e teórica, pois é difícil acreditar que todo o aparato legal, tão reiterado pela correção e a ética, seja apenas a fachada de um esquema perverso, que permanece oculto e ao mesmo tempo presente.
Verdades minuciosamente elaboradas são a superfície de algo que rege nossas vidas pela lei do cão. A Constituição não permite o gigantesco desvio de rumo dos negócios, mas os camelôs do Brás conseguem abastecer a caixinha da corrupção em 800 mil reais por mês. Nem, claro, determina nada que lembre a ditadura, pois há consenso de que vivemos em pleno Estado de Direito. Mas as várias formas de crimes, como sonegação, corrupção, notas frias, produtos falsos se repetem e funcionam em bloco. Assim como são explícitas as várias formas de arbítrio, como arrocho financeiro, engessamento político, assassinatos de jornalistas etc.
O truque de esconde-esconde, que mascara as evidências, é abordar esses assuntos de forma circunstancial, aos pedaços, transformando-os em exceções. Se você somar a quantidade de situações em que se vê envolvido pela economia informal, verá que ela, na prática, não se situa na periferia. Na política acontece o mesmo. Apesar da democracia pré-estabelecida, os fatos geram o mesmo tipo de desabafo: “Mas isso é do tempo da ditadura!”. Privilégios, má distribuição de renda, violência continuam desfilando diante de nós, como um filme já visto.
Precisamos descobrir a fonte da Matrix. Nem é preciso ir muito longe. O movimento das Diretas-Já, por exemplo, é uma prova de que lutamos pela democracia, correto? Mas ele não foi derrotado no Congresso? Uma eleição indireta teria sepultado a ditadura, dando posse a um vice de uma chapa que nem tinha assumido? Ou simplesmente teria instaurando o fim da nossa moeda por sucessivos planos cruzados no queixo?
Depois da primeira eleição direta, o dinheiro da conta corrente foi seqüestrado. Culpa do povo, que elegeu o sujeito, ou do sistema ordenado por pesquisas e marketing? Decretou-se então o fim da inflação. Mas inflação agora é em dólar, já que não temos moeda de fato. E entregou-se o patrimônio público acumulado em décadas de soberania, de mão beijada, com grossa percentagem nas intermediações.
Estaria delirando? Ou o ex-tzar da economia da época áurea da ditadura não é o consultor mais próximo do atual governo? Ou as medidas provisórias pertencem ao passado? Ou falar tanto em democracia, como nos anos de chumbo, perdeu a razão de ser diante da liberdade tão arduamente conquistada? Noto também que os próceres de 1964, quando enfim morrem, são enterrados com honras de chefes de estado. Talvez os verdadeiros ditadores tenham apenas se livrado dos militares, que estavam atrapalhando.
Não podemos negar a economia informal, pois ela sobra em todos os estamentos. É mais fácil negar a ditadura informal, porque é duro aceitar a idéia. Implica abrir mão da nossa mais cara ilusão, a de que derrotamos o arbítrio. Como assim, derrotamos, se houve continuísmo da política econômica e nenhum poder político, seja de qual partido for, consegue mudá-la?
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 22 de julho de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: obra de Ana Viola, um exemplo de espírito livre em tempos de arbítrio.
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