Páginas

24 de junho de 2008

VIDA EM MARTE


Nei Duclós (*)

Temos pavor da diferença. Colocamos em fila gigantescos receptores de emissões de rádio na esperança de captar o Frank Sinatra de Andrômedra. Por que existiria alguém no fundo do abismo estelar querendo se relacionar conosco? Agora ficam atormentando Marte em busca de vida. Por que não procuram outra coisa? Quem garante que os planetas, todos eles, tenham alguma a coisa a ver com o que chamamos vida? Marte poderia estar envolvido com outro esquema, produzindo cubos fractais invisíveis, com faces viradas para o centro da galáxia, por exemplo.

Nada a ver com o teodolito de “2001, Uma Odisséia no Espaço”, aquele objeto-cabeça que deixou todo mundo falando besteira por décadas. Mas com algo que nos escapa, fora dos limites do Mesmo. Queremos coisas idênticas ao que temos, como se Deus perdesse tempo produzindo gêmeos de tudo. Insistem tanto que são até capazes de descobrir alguma coisa parecida com petróleo em algum lugar distante. Vamos imaginar comboios cruzando o infinito, carregados com essa gosma caríssima.

É hora de dar as costas para o cara-metadismo cultural que nos assola, desde que esqueceram Glenn Miller e entronizaram Madona. A verdade é que a cultura de massa, tão celebrada quando surgiu, perdeu completamente a compostura. Antes, ela cuidava de multiplicar a recepção dos talentos. Depois, substituiu Russ Tamblyn, a maior explosão coreográfica do cinema, em “West side story”, por Reynaldo Gianecchini dando passos de tango no Faustão.

A verdade é que não importa mais quem faz o quê. O que vale é preencher as milhares de horas disponíveis para servir de recheio no sanduíche dos mega-interesses. Não é que o mundo tenha mudado. O mundo, de fato, acabou. Viramos marcianos a olhar, incrédulos, o que fizeram com o lugar onde passamos a maior parte de nossas vidas. A destruição é tão completa que fica difícil explicar para a moçada como foi que aconteceu o desastre. Corremos o risco de ficar falando sozinhos, diante de pelotões infindáveis de celulares.

Fui pioneiro no uso do celular. Logo que aportou no Brasil, eu pendia de um lado com o peso do aparelho, muito parecido, nas dimensões e alcance, com aqueles telefonões portáteis da Segunda Guerra. Ainda insisti um tempo, mas acabei desistindo. É que na fila do fast-food sempre tinha um chamado urgente no aparelhinho para estragar o apetite. Agora que os bichos tiram fotos e navegam na internet, prefiro o velho micro de guerra. Sou tão antigo que faço parte do tempo em que os microcomputadores ficavam em cima das mesas, com um visor na frente. Não eram como agora, em que o Google é um beija-flor pendurado nos olhos coletivos em movimento.

É uma época de espantos. Querem a todo pano que haja água em Marte. Sonham até com bactérias, mas não adianta confundir rocha com gelo. Marte é uma gigantesca bola de coisas inúteis. Serve para provar que estamos sós no cosmo e que Steve Spielberg mentiu o tempo todo. Até é melhor assim. Senão teríamos o governador da Califórnia reinando no deserto vermelho. Falando em Schwarzenegger, soube por Sly Stalone num making of que ambos seriam agora anti-diluvianos.

É chocante ver John Rambo tão deslocado na terra quanto eu. Rambo surgiu há pouco, quando eu já estava pronto. Não pode me tirar o privilégio de denunciar, antes dele, a exclusão dos contemporâneos. Que vá navegar em Marte, procurar sua cara-metade. Ou na Birmânia, que também faz parte do Mundo Perdido.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça, feira, dia 24 de junho de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: o cara. Ele não existe em Andrômeda, mas sua voz pode nos levar para lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário