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22 de fevereiro de 2008

SALGUEIRO MAIA NO FRONT


Vejo uma raridade, Capitães de Abril, de Maria de Medeiros. Li também a longa entrevista do capitão Salgueiro Maia, personagem-protagonista do filme, para a revista portuguesa Fatos e Fotos, oito dias depois dos eventos de 25 de abril de 1974, que derrubaram a ditadura salazarista na sua sobrevida, quando tentara se consolidar depois da morte do ditador. O que vi na tela está completamente sintonizado com a narrativa do capitão. Os elementos de ficção inseridos ajudam a esclarecer os acontecimentos, o que é difícil de fazer, pois a transposição costuma sufocar a História.

A diretora se saiu muito bem, chegou a ganhar alguns prêmios, mas o filme sumiu, apesar de ter sido feito em 1999, lançado em 2.000 e até 2003 ainda concorrer a prêmios. Ou seja, é de hoje de manhã e já foi sepultado. Talvez porque coloque em evidência o oficial que viabilizou a derrubada de Marcelo Caetano, arriscando a vida, e todo o seu prestígio. Fez tudo certo, já que na chamada Revolução dos Cravos quase não houve derramamento de sangue.

Na entrevista, ficamos sabendo que a insatisfação da tropa foi o elemento desencadeador da revolta. As causas são conhecidas: a longa guerra colonial (desde 1961) era declarada injusta e tornava os soldados “assassinos profissionais”, como se costumava dizer; e, pior, a injustiça na política de promoções, já que os que voltavam da África chegavam cheio de regalias, causando obstrução na ascensão profissional dentro das Forças Armadas. Mexer com gente que tem licença para portar metralhadoras e dirigir tanques é um perigo, mas a ditadura confiava nos seus quadros legalistas dentro dos quartéis.

Baseada na tradição, no imobilismo, na dura repressão, a ditadura fazia e acontecia, enquanto a sociedade acumulava frustrações e dores. O que foi feito da redemocratização logo a seguir são outros 500. Salgueiro Maia não exerceu poder nenhum, recolheu-se e acabou morrendo de câncer em 1992. Há um monumento à sua homenagem, construído pelo povo de Lisboa, que acompanhou os eventos misturando-se aos soldados. Maia é chamado de herói incômodo, pois representa o ideal e a coragem de assumir riscos.

No filme, é chocante a cena em que o general Spíndola, que assume o poder, trata com desprezo o capitão que derrubou a ditadura. Mas Spíndola já fazia parte do Movimento das Forças Armadas, pelo menos indiretamente, pois seu livro “Portugal e o futuro”, segundo Maia, tinha sido bem recebido pelos insurgentes.Na História tudo é diferente, mas podemos fazer algumas comparações com 1930. Os jovens oficiais também lideraram um movimento contra a ditadura da República Velha e acabaram derrubando o poder.

Não havia um Spíndola em 30, mas Getúlio Vargas, o candidato derrotado nas eleições presidenciais em 1929. O poder caiu na mão dos políticos novamente, acontecendo o mesmo em 1937, quando, desta vez os generais, deram o golpe com o apoio de Getúlio. Aconteceu de novo em 1945, com os generais derrubando Getúlio. Em 1955, quando o Marechal Lott impediu um golpe de estado contra o presidente eleito, Juscelino Kubistcheck. Em 1961, quando os generais foram derrotados pelo movimento da Legalidade. E finalmente em 1964, quando os generais foram os instrumentos da direita para descer de vez a ditadura no país.

A partir de 1985, não se precisava mais de militares para impor ditaduras. Mas o importante é o papel das Forças Armadas nos momentos decisivos das nações. É um tema que merece estudo aprofundado, especialmente o da composição dos mitos, que infletem diretamente no debate político. Mitologia e militarismo, eis um assunto candente.

RETORNO - Imagem de hoje: Salgueiro Maia, na hora da onça beber água.

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