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22 de janeiro de 2008

MAGRELA NOS TRILHOS


Nei Duclós (*)

As bicicletas surgem do nada e se atravessam na frente dos carros. Ninguém usa capacete e costuma-se atirar os veículos em frente aos estabelecimentos comerciais. Deve ser um hábito de direito adquirido, pois muita gente faz isso e não há uma só voz que se levante contra. Também andam na contramão, já que não dispõem de antigo e eficiente apêndice, o espelho retrovisor, obrigatório até os anos 60. Sem saber quem vem atrás e com quais intenções, o ciclista se previne e anda na parte da rua em que pode enxergar o perigo de frente.

Certa vez em São Paulo eu atravessava uma faixa de segurança, com farol (ou sinaleira) favorável a mim, quando uma atleta com sua bike partiu para cima. Ao ouvir a reclamação, virou-se de maneira abrupta e xingou. Estava no seu “deretcho”. O veículo oferecia tudo, desde apliques coloridos até lantejoulas. Mas não tinha lanternas, nem na frente nem atrás, para identificar a presença das duas rodas no breu.

Tudo isso foi erradicado do Brasil, inclusive as placas para bicicletas. Sim, era preciso licenciá-las, sob pena de recolhimento imediato. Naquela época, qualquer veículo de tração animal obedecia a lei. Esses princípios não perderam a validade em outros países. Soube pelo meu filho, há alguns meses morando na Holanda, que em Amsterdam, cidade siderada pelas magrelas, o convívio entre os meios de transporte é amistoso.

Lá, idosos fazem compras praticamente com bicicletas a tiracolo, namoros surgem nos cruzamentos entre milhares de ciclistas, e crianças são criadas a bordo. O cidadão cresce sem precisar de carro. Possui ainda um sistema eficiente de trens, o transporte mais moderno do mundo, rápido, pontual e silencioso. Aqui o trem virou Maria Fumaça.

Quando falam em metrô da superfície em Florianópolis, que seria uma solução caída dos céus para tanto transtorno, tem gente que reclama do possível barulho. Não há nada mais barulhento do que motor a explosão. E o silêncio há muito foi incorporado aos veículos sobre trilhos em países civilizados.

Mas parece que o debate está desaguando para soluções elitistas, como uma infra-estrutura para receber navios de luxo de grande calado. No momento em que apresentam carros movidos a ar comprimido, o ideal de embarcações impulsionadas a petróleo, atracando sem parar, parece ser o prenúncio de mais um pesadelo.

A navegação precisa alcançar a excelência em todo tipo de embarcação. Vi pela milésima vez, neste verão, a reportagem sobre a falta de segurança nos barcos e a impropriedade de se andar sobre eles sem o número necessário de salva-vidas, que normalmente nem são usados.

Num entardecer, dois adolescentes pegaram um pequeno barco e foram verificar uma rede, além da arrebentação. Perguntei ao pai deles, que estava a meu lado na areia, por que os garotos não usavam salva-vidas. O sujeito se ofendeu. “Isso é para quem não sabe nadar”, disse ele, convicto. Ou seja, é coisa de maricas. Macho entra no mar no peito e na raça. Não precisa de uma bóia laranja pendurada no pescoço como um chamariz.

Sabemos que a paisagem do litoral é mutante e caprichosa. Um amigo meu resolveu, numa tarde de esplendor na Lagoa, navegar com alguns amigos. O vento virou e a tripulação quase morreu. Foi salva pelo chato que usava a bóia providencial. Nunca mais ele se aventurou. Agora, só fica na beira da praia, sendo corrido a apitaço pelos salva-vidas humanos, que não querem saber de naufrágio na hora do expediente.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 22 de fevereiro de 2008, no caderno Variedades do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: flagrante registrado por Daniel e Carla Duclós em Amsterdam. Notem como as bikes estão bem estacionados e reparem o detalhe das magrelas para a petizada. Que maravilha.

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