Nei Duclós (*)
A classe média brasileira contraria a tese de Karl Marx, que sustentava ser a ideologia dominante a mesma da classe dominante. A classe média não tem acesso à classe dominante, como comprovou Stanley Kubrick em “De olhos fechados” (aquele filme que destruiu o casamento de Tom Cruise e Nicole Kidman, por obra de um laboratório perverso do diretor com o casal de atores).
Quem está por cima não se deixa ver, por isso quem está dependurado no crédito não tem como conhecer a mentalidade dos poderosos. O máximo que atinge é servir de platéia para o Antônio Ermírio de Moraes, o único exemplar do topo da pirâmide social minimamente acessível para o olhar do público. Aplaudir o brasileiro que freqüenta a lista dos mais mais da Forbes não é exatamente assumir a ideologia da classe dominante.
Foi-se o tempo em que os milionários davam sopa na coluna social. Hoje eles se escondem e deixam esse tipo de vitrine para os chamados poderosos (ou pior, poderosas), ou seja, pessoas notórias, mas sem nenhum poder. Elas contrariam Ibrahim Sued, que foi o papa da classe média com espírito de alpinismo social. Gigi já chegou lá e cavalo desce escada fazendo piruetas da velha Hollywood.
A classe média tem seu próprio sistema de valores, tão firme que é de fazer inveja até mesmo aos ideólogos mais empedernidos. Não chega a ser um decálogo nem costuma freqüentar as listas das frases mais elaboradas. Mas é professado a cada segundo, por todo canto. A máxima de que a classe média é a que mais sofre ocupa o primeiro lugar do pódio. Para muita gente, faz sentido. Rico não se preocupa com nada e pobre, como todo mundo sabe, já está acostumado. A certeza de que pobreza acostuma é uma das mais irremovíveis idéias já concebidas pela humanidade. Basta ver a Josicleide, como canta enquanto lava o banheiro.
Outra jóia da ideologia é que a classe média sustenta todas as outras, o que tem a ver um pouco com a máxima anterior (a do sofrimento exclusivo de quem paga as contas), mas com um sabor que lembra o regionalismo. Pois é sabido também que o Sul sustenta o Nordeste, e o interior, o Litoral, território de desocupados, segundo a sabedoria generalizada. Se a classe média acabar será o fim dos tempos, pois estará desfeita a base de toda a vida possível na terra. Impedir que as pessoas possam esquiar no Chile ou fazer compras em Miami é um perigo que ronda a nossa época, que ainda não atentou devidamente para a catástrofe que isso significa.
O espírito de grupo da classe média é de fazer inveja. Quem possui automóvel (desde que não esteja aos pedaços) sempre tem razão, contra os que andam de ônibus, que estão cem por cento errados em qualquer oportunidade. Não dá para entender: se o pobre está acostumado, por que insiste em comprar carro velho e por que não se comporta dentro dos coletivos? Está parecendo má vontade? Não é. Quem tem carro paga imposto, gera emprego e merece chegar na sauna antes que a fábrica apite a última chamada para os empregadinhos.
Há muita crítica à classe média, principalmente por parte de quem não tem nada para fazer, como é o caso dos intelectuais, todos marxistas, esses traidores da classe. Eles acreditam em Papai Noel, insistem que o proletariado é revolucionário e deve tomar o poder. O que salva o Brasil da desgraça é que o operário que tomou o poder virou classe média e até está sendo chamado de magnata do petróleo. Imaginem se fosse de macacão para despachar em palácio. Aliás, “em palácio” é a expressão mais chic que já conheci. Não sei se está em desuso, o que seria uma pena.
Mas seja quem for que estiver em palácio, jamais atende devidamente as necessidades da classe média, que fica à mercê da bandidagem, já que pobre, todos sabem, é isso mesmo, e os ricos se defendem. Quem vai desarmado para a praia? Quem pega táxi no aeroporto no estrangeiro e acaba deixando as calças? Quem compra apartamento no Morumbi e descobre que vai morar em Cidade Ademar?
Se a saída pelo aeroporto não estivesse tão complicada, há muito esse verdadeiro pilar da sociedade teria se mandado. Quem sabe quando chegar o superavião coreano. Tenho certeza que a classe média brasileira, que encolheu tanto, cabe inteirinha nele.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada neste fim-de-semana na revista Donna DC, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Garopaba no inverno, foto de Sergio Saraiva.
A classe média brasileira contraria a tese de Karl Marx, que sustentava ser a ideologia dominante a mesma da classe dominante. A classe média não tem acesso à classe dominante, como comprovou Stanley Kubrick em “De olhos fechados” (aquele filme que destruiu o casamento de Tom Cruise e Nicole Kidman, por obra de um laboratório perverso do diretor com o casal de atores).
Quem está por cima não se deixa ver, por isso quem está dependurado no crédito não tem como conhecer a mentalidade dos poderosos. O máximo que atinge é servir de platéia para o Antônio Ermírio de Moraes, o único exemplar do topo da pirâmide social minimamente acessível para o olhar do público. Aplaudir o brasileiro que freqüenta a lista dos mais mais da Forbes não é exatamente assumir a ideologia da classe dominante.
Foi-se o tempo em que os milionários davam sopa na coluna social. Hoje eles se escondem e deixam esse tipo de vitrine para os chamados poderosos (ou pior, poderosas), ou seja, pessoas notórias, mas sem nenhum poder. Elas contrariam Ibrahim Sued, que foi o papa da classe média com espírito de alpinismo social. Gigi já chegou lá e cavalo desce escada fazendo piruetas da velha Hollywood.
A classe média tem seu próprio sistema de valores, tão firme que é de fazer inveja até mesmo aos ideólogos mais empedernidos. Não chega a ser um decálogo nem costuma freqüentar as listas das frases mais elaboradas. Mas é professado a cada segundo, por todo canto. A máxima de que a classe média é a que mais sofre ocupa o primeiro lugar do pódio. Para muita gente, faz sentido. Rico não se preocupa com nada e pobre, como todo mundo sabe, já está acostumado. A certeza de que pobreza acostuma é uma das mais irremovíveis idéias já concebidas pela humanidade. Basta ver a Josicleide, como canta enquanto lava o banheiro.
Outra jóia da ideologia é que a classe média sustenta todas as outras, o que tem a ver um pouco com a máxima anterior (a do sofrimento exclusivo de quem paga as contas), mas com um sabor que lembra o regionalismo. Pois é sabido também que o Sul sustenta o Nordeste, e o interior, o Litoral, território de desocupados, segundo a sabedoria generalizada. Se a classe média acabar será o fim dos tempos, pois estará desfeita a base de toda a vida possível na terra. Impedir que as pessoas possam esquiar no Chile ou fazer compras em Miami é um perigo que ronda a nossa época, que ainda não atentou devidamente para a catástrofe que isso significa.
O espírito de grupo da classe média é de fazer inveja. Quem possui automóvel (desde que não esteja aos pedaços) sempre tem razão, contra os que andam de ônibus, que estão cem por cento errados em qualquer oportunidade. Não dá para entender: se o pobre está acostumado, por que insiste em comprar carro velho e por que não se comporta dentro dos coletivos? Está parecendo má vontade? Não é. Quem tem carro paga imposto, gera emprego e merece chegar na sauna antes que a fábrica apite a última chamada para os empregadinhos.
Há muita crítica à classe média, principalmente por parte de quem não tem nada para fazer, como é o caso dos intelectuais, todos marxistas, esses traidores da classe. Eles acreditam em Papai Noel, insistem que o proletariado é revolucionário e deve tomar o poder. O que salva o Brasil da desgraça é que o operário que tomou o poder virou classe média e até está sendo chamado de magnata do petróleo. Imaginem se fosse de macacão para despachar em palácio. Aliás, “em palácio” é a expressão mais chic que já conheci. Não sei se está em desuso, o que seria uma pena.
Mas seja quem for que estiver em palácio, jamais atende devidamente as necessidades da classe média, que fica à mercê da bandidagem, já que pobre, todos sabem, é isso mesmo, e os ricos se defendem. Quem vai desarmado para a praia? Quem pega táxi no aeroporto no estrangeiro e acaba deixando as calças? Quem compra apartamento no Morumbi e descobre que vai morar em Cidade Ademar?
Se a saída pelo aeroporto não estivesse tão complicada, há muito esse verdadeiro pilar da sociedade teria se mandado. Quem sabe quando chegar o superavião coreano. Tenho certeza que a classe média brasileira, que encolheu tanto, cabe inteirinha nele.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada neste fim-de-semana na revista Donna DC, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Garopaba no inverno, foto de Sergio Saraiva.
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