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13 de novembro de 2007

A PRÓXIMA CHANCE


Nei Duclós (*)

E se fosse o contrário, o Nilo como dádiva do Egito? E se as cheias periódicas depositando húmus para a lavoura não fossem obra do acaso, mas dos homens fartos do deserto? E se a grandiosidade do rio fosse o resultado de paciente e interminável trabalho de gerações que não queriam mais ficar à mercê da sede e da fome?

É possível que a natureza, tal como a conhecemos, e que está quase totalmente destruída, com suas cachoeiras deslumbrantes, cercadas por pedras lisas e horizontais estrategicamente colocadas para o deleite dos banhistas, tenha sido projetada por raças ancestrais. Elas moldaram montanhas, orientaram nascentes em direção aos leitos, que cavaram na areia, e assim levantaram não apenas pirâmides, mas florestas.

Seus vestígios estão por toda a parte. Taças gigantes de granito que se erguem em conjunto com enormes abóbadas ou arcos. Ruínas não catalogadas, cheias de sinais extravagantes à espera de um Champollion. O que dizem traços, figuras, cenas, sinais gravados eternamente, cercando baías mansas, escondendo-se em cordilheiras indevassáveis, brotando em cerrados e planaltos? Foram os índios, ou isso é obra da chuva, dos ventos e do tempo, dizem os acadêmicos céticos. É a Atlântida, dizem os sonhadores empedernidos.

Descobriram há pouco tempo enormes estruturas quadradas no chão do Acre desmatado, formadas por canais, que se repetem por quilômetros. A verdade é que a abundância dos vestígios é assimilada de maneira tosca pela escassez das teorias. Nada temos a descobrir nas pedras empilhadas do litoral e interior, nas esfinges que grudam em costões ou pontuam paisagens no ermo. Tudo está catalogado como mistério intransponível e qualquer especulação é recebida com bocejo ou gargalhada.

Acostumados a esse tipo de tratamento, alguns estudiosos de fôlego maior continuam com suas descobertas e, para não assustar os leigos, circunscrevem esse tesouro a espaços temporais conhecidos ou a idéias rudimentares e mansas. Mas no fundo eles sabem. Habitamos a terra lavrada pelo gênio dos antigos, de tal maneira que toda a natureza se voltava para a sobrevivência. Fizeram do habitat um lugar aprazível, já que cansaram de serem chicoteados pelas tempestades, terremotos e nevascas.

Para se defenderem, imitaram o Criador. Ou seja, no planeta bárbaro geraram o Éden, com suas águas providenciais, os bichos sob controle, o clima favorável. Dizem que a Ilha da Páscoa se transformou num deserto pela falta dos seus habitantes, que destruíram os insumos para persistirem vivos. Ou que antes da Amazônia tínhamos o deserto. E que antes do Saara, tínhamos a floresta. Na tentativa e erro, as populações ergueram e destruíram suas obras que se confundiram com a natureza.

Tudo é obra do homem e sua loucura. Estamos cercados por planetas inabitáveis. Fomos também assim e nos dirigimos para esse destino. Herdamos o paraíso e acabamos com ele. Sentimos saudades do trabalho de fazer brotar a flor provisória, a árvore imortal, a cascata em forma de véu de noiva. Perdemos a pista de como se faz. O único caminho para resgatar esse saber será, parece, acabar com tudo. Nus diante do horror, teremos que recomeçar.

Não será fácil. Já tivemos nossa chance. Haverá uma próxima?

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça feira, 13 de novembro de 2007, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: uma das inúmeras pedras furadas existentes no Brasil. Esta fica em Ubirici, Santa Catarina.

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