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1 de setembro de 2007

O GRANDE PAÍS DO NORTE


Não estou me referindo aos Estados Unidos, mas a um outro país, que existiu de fato e era gigantesco, ocupava praticamente a metade do território atual do Brasil. Atenção: não era um território “equivalente” à metade do nosso país, era a própria metade atual do território, a metade do chão mesmo que hoje nos pertence. Esse gigantesco país oculto ficava, portanto, aqui mesmo no continente da América do Sul.

Vamos primeiro ter cuidado com a palavra estado, que vou usar aqui. Estado hoje é a unidade federativa pertencente à União. Já foi chamado antigamente de província. Mas existe outro significado, a de Estado, instituição que define a existência de uma nação. Todo país, independente ou não, tem a instituição Estado como sua essência, sua razão de existir. Chovo no molhado? Calma. Pois quero falar hoje sobre o Estado do Grão-Pará e Maranhão, que tinha como capital São Luís. Era um país à parte, que fazia fronteira com o Estado do Brasil. Este, tinha como capital Salvador.

Não se trata da província do Pará nem nada. Era uma nação mesmo, com administração própria, tributação diferente e relações diretas com Lisboa. Não se reportava ao Estado do Brasil, que eram outros quinhentos, que começava na Bahia e ia até o Rio Grande do Sul. O que ficava ao norte e ocupava também uma parte do nordeste (Maranhão, Ceará, Piauí) era um outro país. É costume confundir essa nação que não era o Brasil com as províncias geradas por ela, como o próprio Pará.

Esse país foi fundado em 1621 por Felipe III de Portugal, o mesmo Felipe IV da Espanha, pois todos sabemos que Portugal ficou submetido à Espanha de 1580 a 1640. Os motivos são muito atuais: havia grande cobiça internacional na região e Portugal decidiu usar a amigável embocadura do Amazonas, onde a navegação era mais tranqüila, ao contrário de Salvador, caminho ameaçado pelas correntes marítimas, para fundar uma nação da América Portuguesa que não se reportasse ao litoral.

Mais tarde essa nação foi repartida e acabou virando um punhado de províncias. Só em 1823, um ano depois da proclamação da Independência, é que a Guarda Imperial, com apoio logístico da esquadra inglesa, tomou Belém, ou seja, invadiu esse país estrangeiro que ainda estava sob as ordens de Portugal. Dá agora para entender a guerra da Independência. Os portugueses queriam manter o grande Estado do Norte. Tinha já desistido do Estado do Brasil, mas tinham ilusões de ficar com aquela outra nação, tão rica e cobiçada.

A verdade é que os portugueses continuaram dominando Belém e a Amazônia por um largo período depois da Independência. Diz um blogueiro da região, Ray Cunha: “ Navios, um atrás do outro, ainda saíam carregados de madeira de lei e essências pelo rio Amazonas rumo a Portugal, à luz do sol da Linha Imaginária do Equador, e a colônia portuguesa era dona dos armazéns do porto de Belém, única porta de entrada de cargas na capital, e ditava os preços das mercadorias”.

O historiador João Lúcio Mazzini diz o seguinte sobre a relação Brasil/ Grão-Pará: “Essa independência foi negociada sem nenhum benefício para nós. No século XIX, o Grão-Pará era um país à parte dentro do Brasil, pois operava com uma taxação alfandegária diferente e se reportava diretamente a Portugal e não ao Rio de Janeiro, que era a sede do império em nosso país. Essa foi uma forma de se preservar o estado da cobiça dos franceses e holandeses, já que era mais fácil tomar decisões se comunicando direto com Portugal sem passar pelo Rio. Então, com a adesão, passamos apenas de colônia européia para colônia brasileira, controlados por um governo que sequer tinha estrutura para cuidar de um país tão grande como o nosso”.

A professora Maria Lucia Abaurre Gnerre divulgou um trabalho que lança algumas luzes sobre o assunto: “Sobre a complexa história do estado do Grão Pará e Maranhão, podemos fazer um breve resumo de sua constituição político-administrativa: Em 1621, um decreto Régio estabelece que o Maranhão (incluindo a capitania do Piauí) e o Grão-Pará passam a formar um estado autônomo. Entre 1652 e 1654 os governos do Pará e Maranhão tornam-se independentes e, voltando a se unir em 1654, assim permanecem até 1772, quando são novamente separados. A separação só viria a se efetivar três anos mais tarde, quando o Pará anexa a seu território a capitania do Rio Negro. Em 1753, durante o governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, estabelecem-se dois governos dentro do estado do Grão-Pará e Maranhão, um situado em Belém, e o outro em São Luis”.

Para fechar essa introdução a um dos grande mistérios da nossa História, o depoimento do Prof. Dr. João Adolfo Hansen, professor de Literatura Brasileira da USP, e autor do livro Cartas do Brasil, do Pe. Antônio Vieira: “É preciso lembrar, ainda , que o título do livro, Cartas do Brasil, foi posto pela editora à minha revelia. Eu o critiquei porque é anacrônico, propondo que devia ser Cartas do Estado do Brasil e do Estado do Maranhão e Grão-Pará (1626-1697), mas não tive controle da edição.”

Fatalmente o pessoal da editora nunca ouviu falar em semelhante disparate. Quer dizer que a Amazônia fazia parte de um país estrangeiro? Fazia, mas não faz mais. Gringos, cuidado.


RETORNO - Imagem de hoje: Belém, no Pará.

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