Leio sempre os classificados. Procuro pepitas, como Desenvolvedor Pleno, Engenheiro de Aplicação ou Empréstimos para Exército. Tem coisas do arco. Quitamos e refinanciamos seus empréstimos, bolinhas explosivas ou profissionais em marketing multinível, seja isso o que for. É impressionante como funções, cargos, vagas, produtos, ofertas passam por composições de linguagens completamente estranhas para mim. Não entendo mais nada do mundo corporativo.
O que é um consultor comercial, um vendedor der luxo? E um supervisor de relacionamento, o cara que fica olhando o namoro alheio? E um assistente de controladoria, serve cafezinho pra o controlador? Isso deve ser óbvio para quem é do ramo, mas para mim, que sempre exerci uma só função, a de escriba, passo ao largo de tanta novidade. Deveria conhecer essas coisas, já que trabalho em comunicação ("ué, mas tu não é jornalista?" costuma ser a frase lapidar de todas as cobranças). Mas uma redação não serve para nada (adoro dizer esse tipo de coisa). Pelo menos agora, nesta época de gestão de conteúdo, de convergência de mídias e de outras porras esdrúxulas.
Gosto dos classificados porque estão em cadernos à parte, não se metem no meio dos textos jornalísticos, como os anúncios. Um classificado tem a dignidade da sua identidade própria, tradição e utilidade. Um tijolinho pode salvar vidas. Bem dizia Mario Quintana que um poeta não lê poesia, lê os classificados (ele adorava dizer esse tipo de coisa).
Uma das coisas assombrosas dos classificados é a avalanche de veículos para vender. Como tanta gente pode querer se desfazer de algo que pertence às famílias? Não se vende um carro, é como entregar o caçula num matagal. Talvez o descenso do sentimento gregário pautado pelos gens e o relacionamento afetivo tenha atingido até mesmo a essência de um lar, que é o pé de borracha de estimação.
Outro alarme chama-se ponto. Vende-se o ponto, o negócio. Que história é essa? Você compra o ninho esquentado pelo sujeito que montou um mercadinho, uma cafeteria, mas tem ainda que pagar o aluguel? Uma birosca de 25 mil reais, por exemplo. Você vai lá e o cara te oferece meia dúzia de revistas velhas, uma geladeira antiga, um freezer fora de mão e pronto, é o negócio. Você compra dele e ainda vai falar com o dono do prédio onde o ponto foi feito, para acertar quanto vai morrer por mês para ocupar o espaço que, mesmo pago por você, não lhe pertence?
Vender o ponto é uma charada e tanto. O cara que está louco para se desfazer da enrascada diz que só sai de lá se lhe pagarem pela freguesia que fez. Como se fosse possível colocar uma etiqueta na probabilidade de vir ainda gente freqüentar aquele balcão. Comprar o ponto, vírgula. Deixa que eu mesmo invento a freguesia. É melhor deixar esse tipo de apelo para lá.
Nos textos minúsculos estão as jóias da coroa. Vendo um aparelho neurodyn de corrente tens/fes, por exemplo. Ou o dinâmico mercado de cartuchos. Esse negócio de tinta para impressora é uma coisa. Custa uma nota. Várias vezes me vi sem poder imprimir porque tinha que depositar um milhão de dólares para levar um cartucho usado, meio cheio, com tinta vencida. É pior do que gasolina.
Sempre me imagino em postos que jamais ocuparei. Como operador de carregadeira, técnico em edificações ou analista implementador. Já pensou? Eu, um analista implementando seja lá o que for, operando uma carregadeira em algum lugar da grande nação ou edificando coisas como técnico com capacete de plástico e tudo, desses que os políticos usam para acompanhar o gesto de apontar para o alto e para longe.
Assim vou viajando nos classificados, que são os cadernos que sobrevivem na grande vassourada do tempo. Guardamos porque são úteis. Lá tem um monte de informação substancial. Mas passada uma semana, tendo se acumulado pilhas desses tijolos de letras, jogamos também no lixo. E lá se vão os classificados mundo afora, com suas miudezas, promessas, esperanças, tentações, a atulhar sarjetas, lixões ou simplesmente servir de forro para alguma encomenda.
O bom é que a toda hora chega um, novinho em folha. Hummm..., o que será que temos hoje? Ôpa! Vaga para técnico de futebol do interior, em time que disputa a Série Z. Interessante, sempre quis dirigir um time de futebol. Caseiro: basta ficar no sítio, paga-se bem. Quer ser documentarista de natureza? Essa é fria. Estão vendendo um curso. Não vale. Um curso vai contra o espírito dos classificados, pois contém armadilhas para quem procura ouro. A não ser que seja treinamento para procurar pirâmides improváveis no interior do Brasil.
Está aí uma coisa que eu gostaria de achar: uma pirâmide inédita, fazendo pose egípcia no miolo do sertão. Mas isso seria demais. Existem charadas tão misteriosas que nem os classificados poderiam suportar.
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